Em unidades de saúde, benzedeiras ajudam a cuidar do corpo e da alma
A benzedeira Olícia Maria de Souza, de 72 anos, benze há mais de 40 anos

Quem nunca se submeteu a um benzimento, certamente não é dos tempos mais antigos, apesar que a prática se modernizou passada de geração em geração. Meus pais e avós que residiam no interior de Goiás e Minas, eram adeptos do ritual, principalmente sobre a questão do mau-olhado (quebrante) sobre seus bebês, que atualmente sou eu, meus irmãos, primos… e fora desse eixo familiar vocês. Benzer vem de abençoar.

A Origem do Mau-olhado

A Encyclopædia of Religion and Ethics (Enciclopédia de Religião e Ética) responde que os antigos babilônios temiam a influência do mau-olhado. Quem promovia esse medo? Os bruxos ou feiticeiros babilônios. Eram famosos por causarem terríveis sofrimentos mediante lançar feitiços por apenas fixarem os olhos numa pessoa. No entanto, tais bruxos não faziam isso por conta própria. Quem lhes dava este poder? As entidades espirituais chamadas de demônios. Explica o livro The Religion of Babylonia and Assyria (A Religião de Babilônia e Assíria): “As bruxas podiam invocar os demônios quando desejassem, e pôr as pessoas que queriam sob o poder dos demônios.”

Jesus Cristo chamou apropriadamente o olho de “lâmpada do corpo”. Por quê? Ele explica: “Se . . . o teu olho for singelo [sincero, focalizado no que é bom], todo o teu corpo será luminoso; mas, se o teu olho for iníquo, todo o teu corpo será escuro.” (Mateus 6:22, 23) Com essas palavras, Jesus estava ressaltando o poder que os olhos têm, figurativamente, de influenciar pensamentos, sentimentos e ações.

As coisas que vemos também podem alimentar a ganância. É por isso que a Bíblia nos alerta que o desejo egoísta “dos olhos . . . não se origina do Pai.

Minha avó sempre começou seu ritual de benzimento chamando o poderoso nome de Deus Jeová sobre nós e para todos aqueles buscam por ela para ser benzido.

Espinhela caída, quebranto, mau olhado. Quem é do interior, provavelmente, já ouviu essas expressões e, na sequência, um conselho: é melhor se benzer. O costume, porém, também tem seu espaço na cidade grande. Uma vez por mês, três unidades básicas de saúde (UBS) ficam lotadas de pessoas em busca dos saberes populares.  

Acostumada ao benzimento na cidadezinha onde mora, no Espírito Santo, a aposentada Dalva Caversan aproveitou a estadia em Brasília, onde está para cuidar do neto que acabou de nascer, para levar a família inteira à UBS 2, da 114/115 Norte, onde cerca de 50 benzedeiras atuam uma vez por mês.  

“Lá, temos o costume de levar as pessoas para ser benzidas quando estão com alguma dor, com um machucado, quando estamos bocejando muito ou, ainda, quando a criança está muito agitada”, conta ela. A filha, Nair Angélica, já está acostumada e, agora, levou o pequeno Miguel para receber o que ela teve muito na infância. “Lembro-me da minha mãe levando a gente. Saímos mais leves”, destaca, ao lado do marido, Vilar Cardozo, benzido pela primeira vez.  

O trabalho das benzedeiras começa com uma roda, onde fazem uma oração entre elas. Em seguida, organizam outro grande círculo, desta vez com os presentes, quando fazem a leitura de um texto e explicam a dinâmica do benzimento.   Elas ficam na unidade por duas horas, no final da manhã ou da tarde. Senhas são distribuídas ao longo deste tempo e as pessoas são encaminhadas às benzedeiras.  

VOCAÇÃO – Cada benzedeira tem seu método. Algumas usam terços, outras preferem um galho de arruda. Há ainda aquelas que usam da conversa, um abraço, massagem. O mais importante é ter fé e conexão com quem está buscando este auxílio.   Há um ano e meio atuando como benzedeira, Edna Francischetti diz que, para exercer essa tarefa, é preciso ter sintonia com quem precisa ser benzido. “Quando pergunto por que a pessoa veio, já se vai estabelecendo uma conexão mais profunda, de muito acolhimento e compreensão. Olho no olho, ouço e vou-me conectando com o melhor de mim mesma, um amor mais alto. Então, com base nisto, ou faço uma “costura” ou benzo com alecrim e água, usando palavras fortes de uma bênção muito antiga”, diz ela, sempre calma.  

Qualquer um pode se candidatar a ser um benzedor. “É preciso ter fé e confiar que somos capazes de interceder para o bem-estar de outros, humanos ou animais. Existe uma formação que promovemos anualmente para compartilhar nosso caminho e experiências, para nos conectarmos com a energia cósmica de nossos ancestrais”, explica a guardiã da Escola de Benzedeiras, Maria Bezerra, responsável por levar o trabalho às unidades básicas de saúde.    

ESPAÇO – Além da UBS 2, da Asa Sul, as unidades 1, da 612 Sul, e também a de número 9, do Cruzeiro, recebem o trabalho das benzedeiras uma vez por mês. Para a gerente da unidade da 114/115 Norte, Ana Carolina Tardin, primeira a abrir as portas para elas, o espaço é usado para a cura da alma, de modo a cuidar da angústia e dos sofrimentos, o que também é importante para a manutenção da saúde.   “Além disso, abrimos espaço para o acalento, criando uma rede de apoio. Muitas pessoas que moram em Brasília são de outras cidades e, às vezes, têm dificuldade em se aproximar dos outros por aqui”, destaca.   Para a benzedeira Edna Francischetti, as unidades de saúde são lugares dedicados às pessoas, o que casa muito bem com o trabalho que ela e o grupo desenvolvem. “Saúde física, emocional e espiritual, no meu entender, são um todo indissociável. Acolhimento é uma boa palavra para falar dessa integração saudável que estamos experimentando”, observa.  

BOAS ENERGIAS – Conforme destaca Maria Bezerra, as pessoas que procuram se benzer saem da unidade em paz, reequilibradas. “Crianças têm apresentado melhora de sono, estados de irritabilidade, diarreias, males estes que são identificados como quebranto e ventre virado. Pessoas com tristezas ou sensações de negatividade também têm relatado melhoras”, enumera.   Pela primeira vez nesta experiência, Ângela Guimarães disse que o próprio ambiente da UBS, onde a prática é feita, já trouxe tranquilidade a ela. “Estou saindo mais leve do que quando cheguei. Com certeza, voltarei outras vezes”, assegurou.   Além da busca pelo equilíbrio, tem gente que vai para agradecer. “Queria muito engravidar, já tentava há quatro anos e quando estava prestes a fazer uma inseminação, engravidei naturalmente e veio o Murilo.

Então, eu o trouxe para benzer e agradecer pela vida dele”, conta a mãe, Mariana Leal.  Os encontros acontecem uma vez por mês e a agenda é divulgada em cada evento.  

SERVIÇO

Próximos encontros com benzedeiras: UBS 1 – Asa Sul (612 Sul) Data: 17 de agosto Horário: das 9h30 às 11h30   UBS 1 – Cruzeiro Novo Data: 27 de agosto Horário: das 16h às 17h30   UBS do Guará I – ao lado do HRGu Datas: 21 de agosto; 4 e 18 de setembro; 2, 16 e 30 de outubro; 13 e 27 de novembro; e 11 de dezembro Horário: das 16h às 18h      

Com informação da SES-DF.