

A morte de um Papa deveria ser um momento de luto, respeito e introspecção para o mundo cristão. No entanto, o falecimento de Francisco — o maior líder da Igreja Católica em nosso tempo — foi tomado de assalto por uma onda de intolerância, ódio e desprezo que partiu, de forma ruidosa e orquestrada, dos seguidores mais fanáticos do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Ainda que Bolsonaro tenha publicado uma nota protocolar lamentando a morte do Pontífice — exaltando a figura papal como símbolo de “unidade, esperança e orientação moral” — seus apoiadores mais fervorosos não se constrangeram em atacar a honra, a memória e a fé de milhões de católicos.
– O mundo e os católicos se despedem daquele que ocupava uma das figuras mais simbólicas da fé cristã: o Papa. Mais que um líder religioso, o papado representa a continuidade de uma tradição milenar, guardiã de valores espirituais que moldaram civilizações.
– Para o Brasil e o…
— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) April 21, 2025
Nas redes sociais, o ódio escancarado atropelou qualquer resquício de humanidade. Sob a sombra da idolatria política, os autointitulados defensores da moral cristã mostraram o contrário do que pregam: ausência de compaixão, escárnio da fé alheia e desrespeito à figura sagrada do Papa.
“Um líder religioso comunista”, escreveu Miriam Bickhoff, como se fosse legítimo rotular com leviandade a maior autoridade espiritual de mais de um bilhão de católicos no mundo. Izaura Catori, em tom julgador e quase macabro, sugeriu que Francisco “terá que dar muita explicação de seus atos aqui na Terra”. Edgar Maurici disse que “nunca viu na história um papa comunista”, numa afirmação que mistura ignorância histórica com veneno ideológico.
Outros foram ainda mais longe. Paulo, num comentário frio e desumano, afirmou: “Já foi tarde e não vai deixar saudades”. Um usuário sob o pseudônimo “Molusco Liar” destilou puro ódio ao insinuar que o Papa estaria “no colo do capeta”, chamando-o de alinhado a um “projeto genocida”.
Esses ataques não são apenas manifestações de grosseria virtual. São atentados contra a liberdade religiosa e contra o próprio espírito cristão. São agressões não só ao Papa Francisco, mas ao que ele representa: acolhimento, humildade, justiça social, defesa dos pobres, cuidado com os marginalizados e promoção da paz.
Se o Papa foi criticado por se posicionar contra as armas, por acolher refugiados, por falar em fraternidade universal — isso não o torna comunista. Isso o torna cristão. Um cristão comprometido com os valores do Evangelho, e não com as armas, o lucro ou o fanatismo político.
Felizmente, vozes sensatas e corajosas também se levantaram. “O Papa pregava a Paz, amava os pobres e os moradores de rua. Você prega o ódio, a divisão”, escreveu Marquinhos Mesquita, dirigindo-se diretamente a Bolsonaro. Ana Borges foi ainda mais dura: “Tira o nome do Papa da sua boca podre.”
O Brasil vive um momento de grave crise espiritual, onde líderes políticos e seus seguidores sequestram símbolos religiosos para promover a intolerância. Atacar o Papa Francisco, um líder reconhecido globalmente por sua bondade, é revelar o quanto a idolatria política pode destruir os alicerces da fé verdadeira.
Esses episódios não são apenas tristes. São perigosos. Representam uma ameaça à convivência entre religiões, à democracia e ao próprio cristianismo — aquele que prega amor ao próximo, não o ódio ao diferente.
A morte de um Papa deveria ser ocasião de preces, silêncio e reverência. Transformá-la em palanque para espalhar fanatismo é insultar não apenas um homem, mas uma história de dois mil anos. É, acima de tudo, desrespeitar o sagrado.
Que os católicos se levantem — não por vingança, mas em defesa da paz, da fé e da dignidade. Porque calar diante do ódio é permitir que ele se multiplique. E, como disse o próprio Francisco: “Não se vence o mal com o mal. Vence-se o mal com o bem.”