Caso Virgínia Soares: veja linha do tempo da médica acusada de antecipar mortes em UTI

A médica intensivista Virgínia Soares de Souza continuará respondendo a dezenas de ações penais por homicídio doloso qualificado, mesmo após o Superior Tribunal de Justiça [STJ] anular as provas centrais que embasaram a denúncia do Ministério Público. O caso, que ganhou notoriedade nacional há mais de uma década, volta a chamar atenção com a decisão da Corte superior de descartar os prontuários médicos que originaram as acusações.
“Quero desentulhar a UTI que está me dando coceira”. A frase teria sido dita pela médica.
A prática foi denunciada por um ex-colega de trabalho, que preferiu não ser identificado à época. Segundo ele, Virgínia privilegiava atendimentos a pacientes particulares ou de convênio, em detrimento de internados pelo SUS.
O técnico em enfermagem Sílvio Almeida, que trabalhou no Evangélico, diz que o respirador era utilizado pela médica para abreviar a vida de pacientes. “A mínima quantidade de oxigênio que o respirador podia mandar, ela deixava – é sempre 21%. Eu já vi ela várias vezes desligando o respirador”, contou o ex-funcionário à época dos fatos.
Mesmo após o Superior Tribunal de Justiça [STJ] declarar nula a principal prova usada contra Virgínia Soares de Souza [09/04/2025] — médica acusada de apressar a morte de dezenas de pacientes internados na UTI de um hospital em Curitiba —, as ações penais contra ela seguem em tramitação.
A decisão foi tomada pela Quinta Turma do STJ, que considerou ilegal a apreensão de 1.670 prontuários médicos ocorrida no início das investigações, por ter sido autorizada com base em mandado genérico, sem delimitação dos fatos investigados nem individualização dos pacientes envolvidos.
O julgamento terminou empatado, e, por força da Lei 14.836/2024, prevaleceu o voto mais favorável à ré — no caso, o do ministro Joel Ilan Paciornik. Ele reconheceu a nulidade da prova colhida, mas rejeitou o pedido da defesa para anular todos os processos em curso. O entendimento do relator é de que a exclusão dos prontuários não compromete, automaticamente, todas as ações penais em andamento.
“O simples fato de os processos compartilharem um elemento probatório comum não significa que todos compartilham da mesma fragilidade”, afirmou o ministro.
Com isso, os juízos responsáveis por cada processo deverão reavaliar a existência de justa causa à luz da nova realidade probatória — agora, sem considerar os prontuários médicos apreendidos de forma irregular.
Acusações graves, mas com limites constitucionais
A médica responde a mais de 80 investigações e ações penais por homicídio doloso qualificado. As acusações se referem ao período entre 2006 e 2013, quando ela atuava como intensivista na UTI do Hospital Evangélico de Curitiba. A base para a maioria dos processos foi a mesma: uma única decisão judicial que autorizou a apreensão em massa de documentos de pacientes que morreram naquele intervalo.
A defesa da médica argumenta que essa medida configurou uma “fishing expedition” — expressão usada para descrever buscas genéricas, sem objetivo claro, em que se vasculham dados em larga escala na esperança de encontrar algo incriminador. Também apontou violação ao princípio do non bis in idem, sob o argumento de que Virgínia já teria sido absolvida sumariamente em uma das ações derivadas da mesma investigação.
Paciornik reconheceu que o método de coleta das provas violou garantias constitucionais e comprometeu o devido processo legal. “A amplitude desproporcional e a ausência de delimitação concreta indicam que a diligência não se destinava a investigar fatos específicos e individualizados, mas a vasculhar informações em busca de uma hipótese acusatória posterior”, destacou o ministro, ao reforçar a vedação constitucional à prática de fishing expedition.
Absolvição prévia não impede continuidade de ações
O relator também rejeitou o pedido da defesa para encerrar todas as ações penais com base em uma absolvição anterior. Segundo ele, a decisão favorável à médica em um processo não gera, necessariamente, efeitos sobre os demais.
“O princípio do contraditório exige que cada acusação seja analisada com base em suas próprias provas e fundamentos. As absolvições anteriores não ostentam a qualidade de coisa julgada material e podem ser revistas em instâncias superiores”, observou Paciornik.
Com a decisão, os processos devem seguir tramitando nos tribunais estaduais, que deverão reavaliar, caso a caso, se ainda há justa causa para mantê-los em andamento, agora sem as provas consideradas inválidas pelo STJ. #S&DS #emdefesadasaude
Processo(s): RHC 195496