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Médicos estatutários recebendo gratificação por produção?

A remuneração de médicos estatutários baseada em produtividade é um tema que divide opiniões entre especialistas da área da saúde e gestores do setor público. O portal S&DS ouviu renomados profissionais para entender melhor essa questão e levantar um importante questionamento sobre os impactos e desafios dessa prática na melhoria do SUS.

Opiniões divergentes

Gutemberg Fialho

O Dr. Marcos Gutemberg Fialho, presidente do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal [SindMédico-DF], é categórico ao afirmar: “Não é a melhor forma de remuneração”. Para ele, a gratificação por produtividade pode não ser eficaz dentro da estrutura pública de saúde, que já enfrenta desafios estruturais e administrativos significativos.

Ismael Alexandrino

Por outro lado, Ismael Alexandrino, deputado federal, especialista em Terapia Intensiva, ex-secretário da Saúde do Estado de Goias. ex-diretor presidente do Instituto Hospital de Base, defende que “Todo servidor estatutário deveria ter uma parcela da sua remuneração por produtividade”. Ele argumenta que o setor privado utiliza esse modelo e colhe bons resultados, estimulando a eficiência profissional.

Osnei Okumoto

Já o ex-secretário de Saúde do DF e atual diretor-presidente da Fundação Hemocentro de Brasília, Osnei Okumoto, se posiciona favoravelmente ao modelo, destacando que, durante sua gestão, chegou a apresentar um projeto para implementar a medida.

Falsificação da produtividade e distorções

Paulo Feitosa

O médico Paulo Feitosa, que já foi diretor-geral do Hospital Regional da Asa Norte e hoje ocupa cargos de destaque na Sociedade Brasileira de Pneumologia e no CRM-DF, atual coordenador da Comissão de Residência Médica do Hran, relembra que a discussão sobre produtividade na saúde pública não é nova e levanta um alerta: “Um dos problemas que existe é a falsificação da produtividade”. Segundo ele, a implementação inadequada desse modelo pode gerar distorções, levando profissionais a priorizar atendimentos mais simples em detrimento dos casos mais graves, que demandam maior dedicação e tempo.

Feitosa também critica a forma como o governo do DF lidou com a criação do Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal [Iges-DF], classificando a medida como um erro e sugerindo que a solução poderia ter sido diferente, sem comprometer a hierarquia da rede.

Impactos na Atenção Primária

“O Iges-DF é um erro. As fundações de direito privado poderiam ter resolvido esse problema sem comprometer a hierarquia da rede. Não é necessário privatizar todo o sistema nem extinguir os cargos estatutários, pois isso será um grande prejuízo ao SUS.

Retirar mais da metade dos médicos do Hospital de Base e redistribuí-los pelo sistema foi uma decisão equivocada. Um físico necessário no Hospital de Base, por exemplo, pode não ser essencial no Hospital de Ceilândia, e assim por diante.

Foi um erro estratégico. Por que não começaram a implementação em Ceilândia? Teria feito muito mais sentido. Em vez disso, escolheram o Hospital de Base. O então governador Rollemberg investiu no Base para demonstrar que o modelo poderia funcionar, enquanto, por exemplo, o HRAN ficou três anos sem contrato de manutenção. Como um hospital pode sobreviver nessas condições? Isso foi um erro grave.

Sobre produtividade, é fundamental discutir com especialistas para definir pontos essenciais. O problema é achar que simplesmente instituí-la automaticamente resultará em melhorias.

A produtividade mal planejada desvia a atenção do atendimento adequado. Dou um exemplo: a gratificação da Atenção Primária foi criada porque havia dificuldade em fixar médicos nesse nível de atendimento. No entanto, técnicos de enfermagem e enfermeiros não recebiam a mesma gratificação, pois já estavam inseridos no sistema sem necessidade desse incentivo. Com isso, muitos médicos migraram para as Unidades Básicas de Saúde (UBSs), onde, em tese, a carga de trabalho é menor do que nos hospitais.

Muitos profissionais alocados nas UBSs foram transferidos por restrições técnicas que os impediam de continuar nos hospitais. Por isso, na Atenção Primária, a melhor estratégia foi colocar médicos especializados em Medicina de Família e Comunidade, pois são mais eficientes do que profissionais sem essa formação específica. A produtividade deve ser implementada com critério técnico”.

  • S&DS: Mas não seria uma forma de aumentar a eficiência do sistema?

  • Feitosa: É preciso entender a metodologia antes de aplicá-la. Não descarto a possibilidade, mas, se for mal planejada, cria distorções absurdas. O risco é que pacientes moderados a graves fiquem sem assistência, pois os profissionais priorizarão atendimentos mais rápidos para alcançar metas e receber bonificações.

Uma solução ou um risco para a qualidade do atendimento?

Diante dessas posições divergentes, fica o questionamento: a remuneração por produtividade para médicos estatutários é um avanço ou pode comprometer a qualidade do atendimento na saúde pública?

A discussão exige uma abordagem técnica e cuidadosa. Qualquer implementação desse modelo deve ser planejada para evitar distorções e garantir que os atendimentos mais complexos não sejam negligenciados em função da busca por bonificações fáceis. O debate segue aberto e requer a participação de todos os envolvidos para que se chegue a uma solução que beneficie tanto os profissionais de saúde quanto a população atendida pelo sistema público.