A tragédia que resultou na morte de José Augusto Mota da Silva, de 32 anos, enquanto aguardava atendimento na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Cidade de Deus, na última sexta-feira, exige medidas urgentes e sérias para evitar novos casos.
O caminho, no entanto, passa longe do que foi adotado pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS) do Rio de Janeiro: demissões em massa de profissionais de saúde, transformando médicos, enfermeiros e trabalhadores da linha de frente em bodes expiatórios de uma crise que é, sobretudo, de gestão.
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A decisão anunciada pelo secretário Daniel Soranz de demitir toda a equipe de plantão da unidade é, no mínimo, precipitada e, no máximo, injusta. Médicos, enfermeiros, recepcionistas e até porteiros – 20 profissionais no total – foram desligados, como se fossem os únicos responsáveis pela falência estrutural que acomete a saúde pública no Rio de Janeiro. Uma sindicância foi aberta, mas, antes mesmo de qualquer conclusão, os servidores já foram punidos.
Soluções superficiais, problemas sistêmicos
A atitude da Secretaria Municipal de Saúde pode até soar como resposta firme, mas não passa de uma solução superficial para um problema sistêmico. Faltam insumos, leitos, equipes dimensionadas adequadamente e suporte aos profissionais que atuam em condições cada vez mais precárias. Esses profissionais de saúde, muitas vezes sobrecarregados, enfrentam jornadas exaustivas e salários insuficientes, mas continuam cumprindo seu papel no atendimento à população.
Demitir em massa, sem diagnóstico profundo do que de fato falhou, agrava a crise e desestrutura um serviço essencial. Qual a consequência de dispensar em bloco médicos e enfermeiros, especialmente em unidades já fragilizadas? Quem ocupará esses postos imediatamente? O que será da população, dependente do SUS, que encontrará equipes desfalcadas em pleno atendimento de urgência?
Culpar os trabalhadores é fácil
A fala do secretário Daniel Soranz, ao afirmar que é “inadmissível” que os profissionais não tenham percebido a gravidade do caso, transfere toda a responsabilidade para a ponta da cadeia. Ao invés de avaliar as condições reais da unidade e da rede pública como um todo, escolhe-se apontar o dedo para quem estava no plantão. O resultado? Desmotivação, medo e insegurança, em um momento em que o sistema de saúde precisa mais do que nunca de equipes coesas e apoiadas.
A saúde pública precisa de gestão, não de caça às bruxas
O erro de uma equipe deve ser apurado e corrigido. Se houve negligência, deve haver punição dentro do devido processo, com sindicância séria e transparente. Porém, punir todos os profissionais antes de uma conclusão e promover demissões em massa é um retrocesso, que não resolve nada. Ao contrário, sinaliza que o problema está com aqueles que trabalham no front, e não na falta de políticas efetivas, planejamento e suporte.
A morte de José Augusto deve ser lamentada e investigada com rigor. Mas a resposta deve ir além do espetáculo punitivo. Se o secretário de Saúde Daniel Soranz quer de fato agir em nome da população do Rio, ele deveria priorizar a reestruturação do sistema de saúde, garantir melhores condições de trabalho aos profissionais e demonstrar que a gestão pública é capaz de proteger tanto os pacientes quanto os servidores.
A verdadeira incompetência está em acreditar que trocar profissionais a cada falha será suficiente para salvar vidas. A população do Rio merece mais. A saúde pública não precisa de culpados escolhidos às pressas, mas de uma gestão capaz de enfrentar as raízes profundas da crise.