Quase 90% dos mortos pela polícia em 2023 eram negros – Brasil e o racismo estrutural
Quase 90% das mortes cometidas por policiais em 2023 no Brasil foram de pessoas negras, segundo um estudo recente da Rede de Observatórios da Segurança. Dos 4.025 casos de letalidade policial registrados no período, 3.169 incluíam informações de raça e cor, evidenciando que 2.782 dessas vítimas eram negras, o que equivale a 87,8%. O relatório, intitulado “Pele Alvo: Mortes Que Revelam Um Padrão“, reforça a continuidade de um problema estrutural: o racismo na segurança pública.
Os dados foram levantados em nove estados, onde o padrão se repete com números chocantes, como na Bahia, onde 94,6% das vítimas de letalidade policial são negras, e no Pará, com 91,7%. “Eu tenho um fusca e um violão. Sou Flamengo e tenho uma nega chamada Tereza” – a frase, retirada de uma famosa música popular brasileira, de Jorge Ben Jor, ecoa como um lamento negro servindo de uma cortina da falsa felicidade do povo preto.
A cientista social Silvia Ramos, coordenadora do estudo, destaca que os números são “escandalosos” e revelam como o racismo perpassa diferentes áreas da sociedade, manifestando-se de forma particularmente letal na segurança pública. Na Bahia, que lidera em letalidade policial, houve um aumento de 161% nas mortes desde 2019, enquanto políticas de contenção da força letal não se mostram eficazes. Em vez disso, parece haver incentivo à letalidade, com práticas que são elogiadas e até recompensadas institucionalmente.
A juventude negra é um grupo especialmente atingido, com jovens de 18 a 29 anos compondo a maior parte das vítimas, destacando-se o exemplo do Ceará, onde representam 69,4% dos mortos. A situação se torna ainda mais trágica com a morte de crianças e adolescentes entre 12 e 17 anos em todos os estados analisados.
O relatório aponta também para uma desigualdade na transparência dos dados. Embora Maranhão tenha fornecido informações sobre raça e cor pela primeira vez desde 2021, os registros permanecem insuficientes, com apenas 32,3% das vítimas reconhecidas racialmente. Estados como Ceará, Amazonas e Pará também têm altos índices de dados ausentes.
A reflexão é urgente: as vidas negras continuam em risco pela violência do Estado. Enquanto mudanças estruturais não forem priorizadas, a sociedade seguirá perpetuando um ciclo de violência, onde mortes são normalizadas ou, pior, ignoradas sob pretextos de segurança. É preciso olhar para além dos números, enxergar as histórias interrompidas e agir com a firmeza de quem se compromete com a vida.