O Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran/DF) foi condenado a anular seis multas de trânsito aplicadas a um motociclista, em uma decisão que levanta sérias questões sobre conduta policial e abuso de poder. A sentença foi proferida pelo 2º Juizado Especial da Fazenda Pública do DF, e ainda cabe recurso.
O caso ocorreu em novembro de 2023, quando o motociclista alegou ter sido abordado de maneira violenta e discriminatória por policiais militares em Taguatinga/DF. Segundo o relato, a abordagem incluiu ofensas racistas e agressões físicas, mas o motociclista foi liberado sem ser autuado no local. No entanto, dias depois, ele recebeu seis multas de trânsito, o que o levou a entrar com uma ação judicial para anular as infrações.
A defesa do Detran/DF argumentou que as multas foram aplicadas de acordo com a legislação vigente e que não havia evidências de conduta abusiva por parte dos policiais. Citou também o arquivamento de um procedimento investigativo conduzido pela PMDF, que concluiu pela inexistência de irregularidades. Além disso, destacou a presunção de veracidade dos autos de infração.
No entanto, o Juiz Substituto responsável pelo caso foi categórico ao afirmar que a situação descrita pelo motociclista é excepcional e preocupante. Ele ressaltou que o Brasil enfrenta um racismo estrutural, e que os agentes públicos, como no caso dos policiais, muitas vezes atuam de maneira a reforçar essas barreiras contra o desenvolvimento socioeconômico de pessoas negras. Para o magistrado, a quantidade de infrações imputadas ao motociclista em uma única abordagem foi “anormal” e “nunca antes presenciada” em seus anos de atuação judicial.
O juiz também observou que a única prova apresentada contra o motociclista foi o testemunho dos próprios policiais envolvidos, sem qualquer suporte material, como fotos, vídeos ou depoimentos de terceiros. Além disso, destacou a ausência de procedimentos administrativos comuns em casos de infração, como a remoção do veículo ou o recolhimento da habilitação, o que reforçou as suspeitas de que as multas foram lavradas posteriormente à abordagem.
Em sua decisão, o juiz afirmou ser “inverossímil” a versão dos policiais de que um homem de 55 anos, com seu filho na garupa da moto, teria sido abordado por realizar manobras perigosas. Assim, embora os autos de infração sejam presumidamente verdadeiros, essa presunção é relativa e pode ser questionada diante de evidências que indiquem o contrário.
Por fim, além de anular as multas, o magistrado determinou que o caso seja encaminhado ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) para a adoção das medidas necessárias, sinalizando a gravidade das alegações de abuso de autoridade e racismo envolvidas na situação.