Por Thalys Alcântara
A dona da empresa foi funcionária do irmão do ex-secretário da Saúde em Goiás, Ismael Alexandrino. Parente já foi sócio de firma do mesmo nome
Goiânia – Uma empresa ligada ao irmão do ex-secretário de Saúde de Goiás, Ismael Alexandrino, fechou contratos de R$ 9,1 milhões com a organização social (OS) que atualmente administra duas policlínicas e dois hospitais públicos estaduais no interior goiano.
A Amme Saúde Ltda assinou dez contratos para prestação de serviços médicos especializados no Hospital de Itumbiara e nas policlínicas de São Luís de Montes Belos e da cidade de Goiás. São três das quatro unidades geridas pela OS Instituto Brasileiro de Gestão Compartilhada (IBGC).
Os contratos têm a previsão total de pagamento de R$ 9.166.741 em seis meses. Eles foram assinados entre fevereiro e março deste ano, os dois últimos meses da gestão do agora ex-secretário de Saúde Ismael Alexandrino, que deixou o cargo para ser candidato a deputado federal.
A dona da Amme Saúde Ltda é a administradora Andréia Lopo de Oliveira. Ela é ex-secretária da clínica particular do médico Daniel Alexandrino, irmão de Ismael.
Ligações
Andréia foi funcionária de Daniel pelo menos até 2019. Em maio daquele ano, ela e a família comemoraram o aniversário do médico na clínica. Em uma foto nas redes sociais de Daniel, ela aparece com o uniforme da clínica e segurando um bolo de aniversário do médico.
Daniel Alexandrino não é e nunca foi sócio da empresa de sua ex-funcionária, mas há vários pontos de relação entre ele e a empresa.
Uma consulta no site da Receita Federal mostra que o número do celular de Andréia Lopo é o telefone da empresa D A Gonçalves Serviço Médico. Acontece que o único sócio dessa empresa é o médico Daniel Alexandrino. Andréia nunca foi sócia dessa empresa.
Andréia Lopo também é dona da AZ Liffe Ltda, empresa de tecnologia da informação criada por Daniel Alexandrino em janeiro de 2020. Ele saiu da empresa em maio daquele ano e Andréia assumiu a gestão em setembro.
Mesmo nome
Em seu currículo no sistema Lattes, Daniel Alexandrino se apresentou em 2018 como “proprietário da Clínica Amme Saúde com unidades em Goiânia e São Luís de Montes Belos”.
Documentos na Junta Comercial de Goiás consultados pelo Metrópoles revelam que, entre 2018 e 2020, o médico Daniel Alexandrino foi sócio de uma clínica chamada Amme, em São Luís de Montes Belos, que nesse período tinha uma filial em Aparecida de Goiânia, na região metropolitana da capital.
É o mesmo nome da empresa de sua ex-funcionária, que fechou contratos de R$ 9,1 milhões com um hospital e duas policlínicas estaduais recentemente.
Sede modesta
A atual sede da Amme Saúde Ltda, a empresa que ganhou os contratos milionários, fica em um modesto sobrado formado de salas comerciais e quitinetes em frente à Santa Casa de Misericórdia de Goiânia, no bairro Jardim América. O médico Daniel Alexandrino é diretor clínico do hospital.
O lugar tem um ar-condicionado, uma porta e não tem fachada ou qualquer outra identificação. A Amme aluga uma das salas. As outras salas do sobrado estão vazias ou são ocupadas por outras pessoas, como uma vendedora de cosméticos, vasilhas e lingeries, e uma dentista que transformou o local em clínica.
A Amme Saúde Ltda tem capital social de 30 mil, sendo que a sócia majoritária (40%) é Andréia Lopo. O resto da empresa é dividida em outras duas empresas com mais de 20 sócios cada. O contrato prevê que Andréia pode fazer uma retirada mensal de até 20% do lucro da empresa.
Processo de seleção
A Lei Estadual das Organizações Sociais proíbe que a OS se relacione com entidades privadas cujos dirigentes tenham relação de parentesco com agentes públicos de poder, segundo o advogado Juscimar Ribeiro, especialista em Terceiro Setor ouvido pelo Metrópoles.
Em nota ao portal, a Secretaria de Saúde de Goiás disse que será solicitada para a OS informações sobre os processos de seleção de empresas prestadoras de serviços.
A pasta reforçou que as organizações sociais têm autonomia para a contratação de suas prestadoras de serviço, conforme a legislação vigente. A secretaria ainda lembrou que os contratos com as OS são fiscalizados por órgãos de controle interno e externo.
No entanto, não há clareza sobre como são fiscalizados os contratos que as OS, por sua vez, firmam com outras empresas e prestadores de serviços.
Distanciamento
Procurado pelo Metrópoles, o ex-secretário de Saúde Ismael Alexandrino disse que não conhece as empresas citadas na reportagem e nunca se relacionou ou influenciou nenhuma empresa que porventura tenha firmado contrato com alguma OS.
“As OS durante a minha gestão sempre tiveram autonomia com seus próprios processos de contratação. Também desconheço qualquer relação do meu irmão com tais empresas. Sempre optei por manter uma distância saudável, ética e respeitosa com o segmento privado por todo o tempo que estive na gestão pública”, disse Ismael.
O médico Daniel Alexandrino foi procurado por e-mail, ligação e mensagem de WhatsApp ao longo do processo de apuração desta reportagem. Ele não respondeu aos questionamentos até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto para manifestação.
Sem relação
A reportagem também ligou para Andreia Lopo, que negou a relação do médico Daniel Alexandrino com a empresa dela. “Não há nenhuma relação do doutor Daniel com a Amme Saúde. Essa informação é equivocada. A Amme Saúde é somente minha. Trabalhei com ele há muito tempo atrás, mas não tenho mais nenhuma relação com o doutor Daniel”, disse a ex-secretária do médico.
Ela disse que não se lembra exatamente até quando trabalhou com o profissional de saúde, mas disse acreditar que foi em 2018, em Brasília. Os contratos com a OS foram frutos de um processo licitatório normal, sem influência de Daniel, afirmou a administradora.
Ao ser questionada sobre a informação do currículo de Daniel, em que ele disse ser proprietário de uma empresa chamada Amme, ela disse que não tinha conhecimento sobre isso.
Já ao ser questionada sobre seu número de celular ser o mesmo de uma empresa que atualmente é do médico Danilo Alexandrino, Andréia disse que não sabia dessa informação, mas sugeriu uma explicação. “Talvez porque, quando trabalhei com ele, eu passava os meus números. É uma empresa dele mesmo para trabalho de atendimento dos pacientes”.
Sobre a empresa AZ Liffe, que foi criada por Daniel e hoje é de Andréia, ela disse que adquiriu para no futuro trabalhar com consultas online.
A reportagem também perguntou sobre o motivo da sede da empresa ficar em um local bastante modesto, apesar dos contratos que somam milhões. Andréia então disse que estava ocupada em uma reunião e poderia responder depois. A reportagem aguarda o retorno.
Contratos emergenciais
Já a OS IBGC afirmou, em nota, que os contratos eram emergenciais e foram feitos com a devida cotação de preços e estão dentro dos parâmetros de mercado. A entidade também afirmou que não há conhecimento de relação de diretoria da empresa, mas que foram tomadas providências no sentido de total transparência e respeito à legalidade. Ainda de acordo com o IBGC, contratos regulares estão sendo refeitos e o processo seletivo segue todas as exigências legais.
Por telefone, a assessoria do IBGC disse que os contratos com a Amme eram emergenciais e já teriam sido encerrados. A reportagem pediu a data de encerramento desses contratos e a comprovação desse encerramento, mas a assessoria disse que essas informações dependeriam de um trâmite e não informou até a publicação desta matéria.
Os textos dos dez contratos indicados pela própria OS no Portal da Transparência indicam que nove deles têm duração de seis meses, com período de vigência até julho e setembro deste ano. Apenas um teve duração de 30 dias e foi encerrado em março. A soma desses contratos é de R$ 9,1 milhões.
Todos os documentos citados na reportagem são públicos. Os contratos podem ser acessados pelo Portal da Transparência da Secretaria de Saúde e as informações sobre as empresas estão no site da Receita Federal e na Junta Comercial do Estado de Goiás (Juceg).