Pontos chaves:

> Sofreu uma parada cardíaca dentro da UPA de Samambaia ficando 12 minutos sem oxigênio no cérebro;

> Os enfermeiros colocaram a sonda de alimentação no pulmão da paciente, errando o procedimento;

> Presença de larvas no curativo da paciente;

> Evidencia de larvas em orifício de saída da gastrostomia.

O Distrito Federal terá que indenizar os quatro filhos de uma paciente que veio a óbito por falta de tratamento e atendimento adequado. A decisão é da 7ª Vara da Fazenda Pública do DF. 

Consta nos autos que a mãe dos autores faleceu em junho de 2019 após uma sequência de erros médicos. Os filhos relatam que a genitora, após passar mal por conta de asma crônica, deu entrada na Unidade de Pronto Atendimento de Samambaia, onde foi catalogada como paciente de urgência. Enquanto aguardava atendimento, a paciente sofreu parada cardíaca e ficou 12 minutos sem oxigênio no cérebro, o que teria provocado estado de coma. Dias depois, e após suposta falha em procedimento médico (colocação de sonda de alimentação no pulmão), a paciente veio a óbito. Os autores defendem que o falecimento da mãe foi decorrência de omissão no atendimento prestado no hospital da rede pública e pedem indenização por danos morais. 

Em sua defesa, o Distrito Federal alega que não houve comportamento negligente da equipe médica que realizou o atendimento na UPA. Ressalta que não houve médico e que não há nexo de causalidade. Pede a improcedência dos pedidos. 

Ao julgar, o magistrado pontuou que houve negligência estatal no atendimento prestado à mãe dos autores. O juiz observou que as provas dos autos mostram a necessidade de atendimento urgente no prazo máximo de 60 minutos, o que não ocorreu. “A falecida (…) deu entrada na unidade às 14h44m do dia 3/1/2019, recebendo pulseira amarela [protocolo Manchester] que indica a necessidade de atendimento urgente, sem ser classificado como emergência. Contudo, não teve atendimento dentro do prazo estipulado para a espécie (…) em razão do fato de que a UPA estava lotada. Ao contrário, passou a noite sendo atendida sem a urgência que precisava, sofrendo, no dia 4/1/2019, às 17h52m, uma parada cardíaca”, destacou o juiz.

Para o julgador, houve negligência do ente distrital no atendimento prestado, o que gera o dever de indenizar os familiares da paciente. “Em primeiro, verifica-se que há uma negligência do Distrito Federal em não possuir, na sala vermelha, o equipamento necessário [bomba de infusão] para tratar de asma aguda, deixando os pacientes sem a chance de ter um tratamento adequado contra a crise. Em segundo, não é crível que um paciente, tratado com pulseira amarela, seja deixado ao tratamento comum, por ausência de vagas”, afirmou.

Dessa forma, o Distrito Federal foi condenado a pagar aos autores a quantia de R$ 100 mil a título de danos morais.

Cabe recurso da sentença.

PJe: 0711406-87.2019.8.07.0018

© Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT

SENTENÇA

PRISCILA BARBOSA LOPES, PABLO VICTOR BARBOSA LOPES, PAULO CESAR LOPES DA SILVA e PATRICIA BARBOSA LOPES ingressam, sob a égide do rito comum do Código de Processo Civil com AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS, contra o DISTRITO FEDERAL, partes devidamente qualificadas nos autos em epígrafe.

Em suas considerações iniciais aduz que mãe das autoras passou mal de asma crônica, se dirigindo à UPA do Recanto das Emas pelo SAMU, onde não conseguiu atendimento.

Aponta que ao invés de ser encaminhada para outro hospital voltou para casa, com seus próprios meios, e de lá, procurou a UPA de samambaia, onde também não foi atendida.

Sustenta que a paciente [mãe das autoras] foi catalogada como paciente não urgente, aguardando atendimento.

Narra que enquanto aguardava atendimento sofreu uma parada cardíaca dentro da UPA de Samambaia, e por este motivo, ficando 12 minutos sem oxigênio no cérebro.

Explica que em razão da parada cardíaca sofrida, a paciente ficou por vários minutos sem oxigênio, vindo a entrar em estado de coma desde o dia 03 de janeiro de 2019.

Alega que além da omissão do atendimento, os enfermeiros colocaram a sonda de alimentação no Pulmão da paciente, errando o procedimento.

Noticia que após a sequência de erros a paciente veio a óbito no dia 22/6/2019.

Enfatiza a ocorrência de lesão ao direito de personalidade.

Indica a responsabilidade civil objetiva do poder público.

Tece arrazoado jurídico e postula o deferimento da gratuidade dos atos processuais.

No mérito requer a procedência da demanda para seja a ré, condenada ao ressarcimento dos danos morais sofridos pela parte autora, no importe de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais).

Com a inicial vieram documentos.

Gratuidade deferida [id. 51620597].

Citada a requerida.

Em sede de contestação, em preliminar, impugna a gratuidade que fora concedida a parte requerente. No mérito alega que não restou caracterizado qualquer comportamento desidioso ou negligente da equipe médica responsável pelo seu atendimento na rede pública de saúde; que os fatos narrados na exordial e os documentos a ela anexados demonstram que a paciente, segunda requerente foi atendida, sendo certo que ao avaliar os sintomas e o quadro da autora, a paciente recebeu o tratamento necessário; que, conforme verificado na documentação anexa aos autos, não há quaisquer correlações, entre a assistência prestada à genitora das requerentes e o seu óbito; que extrai-se do prontuário da genitora da requerentes, que era diagnosticada de asma desde 2008, quando foi atendida no Hospital Regional de Samambaia no dia 28 de fevereiro de 2008; que a paciente SONIA MARIA BARBOSA PAULINO teve vários atendimentos na rede pública ao longo dos anos; que era tabagista crônica, mesmo sofrendo de asma; que 03 de janeiro de 2019, às 21h12, a paciente foi submetida a entubação orotraqueal e colocada em ventilação mecânica por hipoxemia, com rebaixamento do sensório; que dia 04 de janeiro de 2019, apesar de se encontrar entubada, por via orotraqueal, em ventilação mecânica, com suporte intensivo e antibioticoterapia, apresentou parada cardíaca. Foi realizada ressuscitação cardíaca, com reversão e instalação de amina vasoativa em razão da hipotensão; que no dia 05 de janeiro de 2019, a paciente foi internada na UTI do HRSM; que paciente, SONIA MARIA BARBOSA PAULINO, permaneceu internada na UTI do HRSM por 72 dias até dia 19 de março de 2019, sendo transferida para a enfermaria do HRSM até o dia 22 de junho de 2019, às 10h, quando foi declarada sua morte; que não há erro mérito; que não há o dever de indenizar por ausência de nexo de causalidade. Ao final pede a improcedência da demanda.

A parte autora apresentou réplica, combatendo os argumentos suscitados na peça de defesa, e ainda, reafirmando o direito exposto na exordial.

Decisão saneadora proferida onde foi rejeitada a preliminar. Em sede de produção probatória foi deferida a prova testemunhal [id. 65119824].

Audiência de instrução e julgamento realizada [id. 74144143 e 78101561].

As partes apresentaram alegações finais por memoriais.

Os autos foram enviados a esse núcleo – NUPMETAS-01.

Recebi os autos conclusos para sentença.

Esse é o relato do que reputo ser necessário ao deslinde da causa. Passo a decidir.

Preliminar enfrentada em sede de decisão saneadora.

Passo ao mérito da presente demanda.

No mérito o pedido é procedente. Dou as razões.

As vítimas de erros médicos foram colocadas, de forma estratégica, na escuridão da injustiça: se não morrem,[1] arrastam-se com o peso das seqüelas, atormentadas pela angústia da dúvida sobre a efetiva reparação dos danos.

“Antigamente, o médico era isento de qualquer responsabilidade por seus erros. A atividade médica revestia-se de misticismo, atribuía se a saúde, a doença e a morte, aos desígnios de Deus. “O médico era visto como um intérprete dos deuses” (GIOSTRI, 2005, p. 24), isso o impedia que fosse responsabilizado, pois o resultado era considerado uma manifestação da vontade divina” [PERES, Paula Rodrigues – A responsabilidade civil do estado em virtude de erro médico cometido na prestação do serviço público de saúde]

O médico [excetuado o cirurgião plástico do ramo estético-embelezador, como se afirmou linhas atrás] responde, por culpa, em caso de morte ou lesões restritivas das atividades normais do doente. CLÓVIS BEVILAQUA afirmou que “o direito exige que esses profissionais exerçam a sua arte segundo os preceitos que ela estabelece, e com as cautelas e precauções necessárias aos resguardos da vida e da saúde dos clientes e fregueses, bens inestimáveis, que se lhe confiam, no pressuposto de que os zelem. E esse dever de possuir a sua arte e aplicá-la, honesta e cuidadosamente, é tão imperioso, que a lei repressiva pune as infrações” [BEVILAQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Commentado, V/326.].

A Constituição Federal disciplina no artigo 37, § 6º de seu texto, a responsabilidade civil objetiva da Administração Pública:

“Art. 37

[…]

 § 6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

No respeitante a aspectos doutrinários, importa destacar a evolução da responsabilidade civil da Administração Pública do conceito da irresponsabilidade para o da responsabilidade com culpa, e deste para a responsabilidade civilística, culminando com atual responsabilidade objetiva.

Desse tronco emergiram teses da culpa administrativa, do risco administrativo e do risco integral.

Como bem leciona Hely Lopes Meirelles, a primeira representa “um estágio da transição entre a doutrina subjetiva da culpa civil e a tese objetiva do risco administrativo que a sucedeu, pois leva em conta a falta do serviço. É o estabelecimento do binômio falta do serviço/culpa da administração. Já aqui não se indaga da culpa subjetiva do agente administrativo, mas perquire-se a falta objetiva do serviço em si mesmo, como fato gerador da obrigação de indenizar o dano casado a terceiro.”

Vê-se pelo art. 37, § 6°, que o legislador constituinte adotou claramente o princípio objetivo da responsabilidade sem culpa pelos danos resultados da atuação lesiva de seus agentes que, nessa qualidade, causem a terceiros. Todavia, quando há omissão do estado a responsabilidade é subjetiva, a depender da forma de omissão.

Quando a omissão estatal for uma omissão genérica a responsabilidade civil será subjetiva. A omissão genérica ocorre quando ocorre uma inação geral, não específica. Nessa modalidade o estado não se comporta abaixo de um padrão legal exigido. O Estado não atuou dada a impossibilidade ou a instransponível dificuldade de fazê-lo, seja em decorrência da ausência de recursos disponíveis, ou ainda, em virtude da imprevisibilidade do fato ocorrido.

No caso em tela a omissão é específica, ou seja, casuística. Houve uma omissão estatal, no que tange ao atendimento da mãe das requerentes.

Portanto, no caso, a responsabilidade estatal é objetiva.

No caso, ante a atração da responsabilidade civil objetiva, dispensa-se por parte da requerente a comprovação da culpa, bastando trazer aos autos a conduta do requerido, o dano e o nexo de causalidade para fazer nascer o dever de indenizar.

Consta do prontuário médico:

“História da admissão: Paciente de 50 anos, portadora de asma brônquica mal controlada, tabagista, com crises recorrentes, chega a unidade por meios próprios em agonia respiratória, hipoxemia e sibilância intensa, sem resolução após medidas inicias, evoluindo para cianose central, rebaixamento do sensório sendo colocada em IOT/VM” [id. 80254920].

No entanto, embora tenha o hospital colocado no prontuário que era tabagista, isso não foi confirmado pelas partes, inclusive, a falecida, enquanto viva, nega que era fumante.

A falecida Sonia Maria Barbosa Paulino deu entrada na unidade as 14h44m do dia 3/1/2019, recebendo pulseira amarela [protocolo Manchester] que indica a necessidade de atendimento urgente, sem ser classificado como emergência.

Contudo, não teve atendimento dentro do prazo estipulado para a espécie, ou seja, de no máximo de 60 minutos, em razão do fato de que a UPA estava lotada.

Ao contrário, passou a noite sendo atendida sem a urgência que precisava, sofrendo, no dia 4/1/2019, as 17h52m, uma parada cardíaca.

Em primeiro, verifica-se que há uma negligência do Distrito Federal em não possuir, na sela vermelha, o equipamento necessário [bomba de infusão] para tratar de asma aguda, deixando os pacientes sem a chance de ter um tratamento adequado contra a crise.

Em segundo, não é crível que um paciente, tratado com pulseira amarela, seja deixado ao tratamento comum, por ausência de vagas.

Qual o motivo de não encaminhar essa paciente a um hospital público ou mesmo a outra UPA que não apresente lotação em grau máximo?

Nesse ponto, ao ver desse Magistrado, ocorreu a negligência estatal.

A negligência, segundo ANTÔNIO CHAVES, “é o descuido, desleixo, desídia”, que geralmente ocorre em “erros de diagnóstico, tratamento impróprio ou inadequado, falta de cuidados indispensáveis, falta de higiene, esquecimento de compressas em operações cirúrgicas, curetagens mal feitas” [CHAVES, Antônio. “Responsabilidade civil do ato médico. Ato médico – contrato de meios”, in Uma vida dedicada ao direito – homenagem a Carlos Henrique de Carvalho: São Paulo: RT, 1995].

No que tange a sonda no pulmão, tal fato não ficou comprovado. Assim como não ficou comprovado a presença de larvas no curativo da paciente. Inclusive no prontuário médico consta a presença de “pus”, tomando medicação para o combate da infecção. Veja:

“Paciente submetida a confecção de gastrostomia aberta em 21/05/2019. Filha refere troca de curativo apos 5 dias com evidencia de larvas em orifício de saída da gastrostomia. Desde então, refere eliminação de secreção purulenta pelo mesmo orifício e pela FO longitudinal. FO longitudinal com hiperemia em suas bordas e saída de minima quantidade de secreção purulenta. Ponto de flutuação em borda inferior. Realizado abertura de pontos de sutura esparsos, com drenagem de secreção serossanguinolenta em moderada quantidade. Realizado limpeza com soro fisiológico estéril e curativo Sugiro realização de TC de abdome total com contraste para avaliar abscesso intracavitário” [id. 80254920 – Pág. 3].

Há, no direito de dano, uma velha e segura tradição: o de imputar ao culpado, assim definido por uma sentença judicial, o dever de ressarcir os danos da ilicitude cometida. Esse tipo de julgamento simboliza a mais justa e apropriada resposta do ordenamento ao ato ilícito. O delito civil – termo que não se utiliza com tanta ênfase como se empregava no passado, para caracterizar a obrigação de indenizar – é a personificação genuína do fato ilícito, aquele que é praticado de forma intencional ou com inobservância dos deveres que marcam uma conduta diligente [culpa stricto sensu]. Essa é a base da teoria subjetiva, conhecida como culposa ou doutrina clássica, como esclarece JOÃO FRANZEN DE LIMA: “O fundamento da responsabilidade civil subjetiva é, portanto, a culpa, mas tomada esta palavra no seu duplo sentido, que se compreende nas expressões ação ou omissão voluntária, negligência, imperícia e imprudência” [Curso de Direito Civil Brasileiro, I, p. 350].

Portanto, evidente o dever de indenizar do Distrito Federal.

O dano moral, para que se faça indenizável, deve infundir na vítima uma grande violência à sua imagem, integridade física e honra ou profunda dor em sua esfera íntima e psíquica, hábil a deixar sequelas que se reflitam de forma nociva em seu dia-a-dia, como, por exemplo, ocorre quando se verifica uma grave humilhação pública, a perda de um ente querido ou a ocorrência de lesões corporais debilitantes.

Sérgio Cavalieri ensina que: “O dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Nessa linha de princípio, só deve ser reputado dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos”. [CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil, 2ª ed. Malheiros Editores, 2003. p. 99].

O ordenamento jurídico vigente não agasalhou a tese do tabelamento do dano moral, ficando a valoração a critério do Magistrado. Deverá esse, em atenção ao art. 944 do Código Civil, medir a indenização pela extensão do dano, bem como outros criados pela jurisprudência pátria, tais como a culpa do ofensor, razoabilidade e proporcionalidade e, principalmente, as condições sociais e econômicas das partes. No caso em tela, levando-se em consideração a lesão ao direito da personalidade experimentado pela parte autora, a quantia de R$ 100.000,00 [cem mil reais], se mostra suficiente para compensar todos os requerentes pelos danos morais sofridos.

Acerca da fixação da indenização a doutrina nos ensina:

“O arbitramento é um ato de consciência jurídica e o juiz deve mentalizar, em primeiro lugar, a situação da vítima [a extensão do dano e sua repercussão na esfera íntima do indivíduo e no aspecto social]. Esse é um exercício que se cumpre examinando as condições pessoais do lesado, sua capacidade de autodeterminação diante da gravidade do fato e do trauma que um ser humano dotado de personalidade mediana [entre o fraco e o forte] suporta, bem como a perspectiva de superação com o poder do dinheiro a ser pago” [ZULIANI, Ênio Santarelli in Direitos in Particularidades do Arbitramento do Dano Moral Na Responsabilidade Civil do Estado – Responsabilidade Civil do Estado, Desafios Contemporâneos – Editora Quartier Latin].

Nesse sentido é a jurisprudência desse e. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Confira:

“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO.RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA PROFISSIONAL DE SAÚDE ESPECIALIZADO DE PLANTÃO. NEUROLOGISTA. ERRO DE DIAGNÓSTICO. RETORNO DO PACIENTE AO NOSOCÔMIO NA NOITE SEGUINTE. FALTA DE VAGA EM UTI. RECUSA DE TRANSFERÊNCIA E RECEBIMENTO DE PACIENTE POR NOSOCÔMIO PÚBLICO. MENOR DE 14 ANOS. FALECIMENTO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. EXISTÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. DANOS MORAIS. COMPENSAÇÃO DEVIDA. PENSÃO MENSAL. FAMÍLIA DE BAIXA RENDA. NÃO COMPROVAÇÃO. DESCABIMENTO DO PENSIONAMENTO. DANO MORAL. ARBITRAMENTO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. VERBAS SUCUMBENCIAIS. DIREITO INTERTEMPORAL. SENTENÇA PROLATADA NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. ARBITRAMENTO À LUZ DA NÓVEL LEI ADJETIVA. APELAÇÃO DOS AUTORES, REMESSA NECESSÁRIA E RECURSO VOLUNTÁRIO DO DF CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS. 1. O artigo 37, §6º, da Constituição Federal, adotou a teoria do risco administrativo, como fundamento da responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público, independentemente da natureza do ato ser comissivo ou omissivo. De qualquer sorte, o dever de reparação exige a demonstração de três requisitos: a conduta, o dano e o nexo de causalidade entre a conduta e o prejuízo. 2. A falta de médico em clínica especializada no plantão ensejou erro de diagnóstico e alta à paciente. Com seu retorno à emergência, deixou-se de encaminhá-la e interná-la em nosocômio público, onde havia corpo clínico especializado para o seu quadro clínico. A falta de leito em UTI no hospital de atendimento e a recusa de recebimento da paciente onde havia vaga disponível, atrelado ao erro inicial de diagnóstico e na adoção dos procedimentos para tratamento da morbidade, foram circunstâncias bastantes e suficientes para suprimir da paciente a chance de vida ou sobrevida e que levaram o seu falecimento. Todas essas falhas e erros atraem a responsabilidade do Poder Público pela reparação do dano imaterial suportado pelos pais, em especial a perda do amor e companhia da filha. 3. Uma vez que a soma dos rendimentos dos genitores da vítima supera, em muito, a atual renda média da população brasileira, incabível a condenação do Distrito Federal ao pagamento de pensão, por falta de adequação ao conceito de família de baixa renda, estabelecido pela jurisprudência. 4. O arbitramento da compensação pelo dano moral é questão tormentosa tanto na doutrina, como na jurisprudência. Mas tanto uma, como outra têm traçado parâmetros para auxiliar na sua dosagem. A questão rege-se pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. O montante deve ser tal, que confira um alento à dor e ao sofrimento experimentado, mas sem causar o enriquecimento ilícito da vítima, tampouco a ruína do devedor. Os precedentes do Superior Tribunal de Justiça fixaram o patamar de 500 salários mínimos para a indenização pelo dano imaterial pela perda de menor por culpa dos agentes do Estado. Majorada a reparação para R$ 200.000,00 para cada um dos genitores.5. Por força das regras do direito intertemporal, em especial às regras estabelecidas nos artigos 14 e 1.046 do Código de Processo Civil, e pelo princípio do isolamento dos atos processuais, aplica-se a lei processual vigente ao tempo da prática do ato processual. Em sendo a sentença proferida sob a vigência do Código de Processo Civil de 2015, ainda que a ação tenha sido ajuizada antes dessa data, as verbas sucumbenciais deverão ser arbitradas à luz da novel legislação processual. 6. APELAÇÃO DOS AUTORES, REMESSA NECESSÁRIA E RECURSO VOLUNTÁRIO DO DF CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS”. [Acórdão 1090872, 20150110198345APC, Relator: LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA, 4ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 18/4/2018, publicado no DJE: 26/4/2018. Pág.: 284/294].


[1] Texto pioneiro que um médico escreveu sobre a matéria, de inegável influência para a comunidade jurídica brasileira, apesar de seu indisfarçável sentido corporativo, inicia-se com a frase de Montaigne que, citando Nicolas, afirmava que “os médicos têm a felicidade de o sol iluminar-lhe as vitórias e a terra ocultar-lhes os erros” [Dr. Brouardel, A responsabilidade médica, Revista O Direito, 76, p. 161].

  Forte nessas razões julgo PROCEDENTE O PEDIDO formulado pela parte autora, e assim o faço com resolução do mérito nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil para CONDENAR o Distrito Federal ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 100.000,00 [cem mil reais], corrigidos monetariamente conforme IPCA-E desde, e ainda, acrescido de juros de mora de 1% ao mês, desde a presente data, e ainda, acrescido de juros de mora de acordo com os juros aplicados à caderneta de poupança desde a citação [art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/2009]. Por fim, em face da sucumbência da Fazenda Pública, nos termos do art. 85, §3º, I, do Código de Processo Civil, condeno-a no pagamento de honorários advocatícios que ora fixo em 10% sobre o valor da condenação, tendo em vista o valor da condenação ou do proveito econômico obtido ser inferior a 200 salários mínimos, incidência da súmula 326 do STJ que prevê que “Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca.” Oportunamente, transitada em julgado, não havendo outros requerimentos, intime-se para recolhimento das custas em aberto, se houver e, após, dê-se baixa e arquivem-se, observando-se as normas do PGC. Publique-se. Intimem-se. Sentença registrada eletronicamente. Sentença proferida em atuação no Núcleo Permanente de Gestão de Metas do Primeiro Grau – NUPMETAS-1. 

Brasília/DF.

Sentença datada e assinada eletronicamente.


MATHEUS STAMILLO SANTARELLI ZULIANI
Juiz de Direito Substituto