05 de Agosto de 2020
A juíza do 4º Juizado Especial Cível de Brasília condenou o Facebook Serviços Online Brasil ao pagamento de danos morais por ter bloqueado o perfil de uma usuária, sem apresentar as razões para isso. Foi determinado, ainda, que o provedor não volte a bloquear a conta em questão.
Narra a autora que teve o perfil retirado do ar pela rede social ré, em três ocasiões. Inicialmente, por três dias, depois por sete e, a partir do dia 12/5/2020, por 30 dias. A justificativa apresentada pelo réu foi a de que a autora estaria sendo penalizada por descumprir o Termo e Condições de Uso do site, uma vez que as mensagens postadas por ela teriam violado os padrões estabelecidos pelo regulamento do aplicativo. Segundo a usuária, o portal informou que a autora teria postado conteúdo com discurso de ódio, bullying e ameaças. No entanto, tais mensagens nunca foram disponibilizadas. A autora considera que os bloqueios acarretaram constrangimentos perante familiares e amigos, motivo pelo qual pleiteia a reparação moral.
O Facebook declarou que o perfil encontra-se ativo. Sendo assim, pugnou pela improcedência dos pedidos.
“Não consta nos autos o conteúdo das mencionadas mensagens, havendo, apenas, a informação de bloqueio das mesmas”, pontuou a magistrada. Dessa maneira, a juíza considerou que os argumentos trazidos pelo réu para justificar o bloqueio de acesso às referidas postagens não são eficientes para demonstrar a legitimidade do denominado “controle” de conteúdo que efetua, de acordo com os termos que ele mesmo estabelece em seu contrato de serviços. Além disso, a juíza lembrou que a legislação prevê que cabe ao Judiciário a ponderação quanto a viabilidade de se bloquear determinado conteúdo, tanto que só responsabiliza o provedor de internet quando não cumpre a ordem Judicial.
Quanto aos danos morais, a julgadora considerou que, se o bloqueio do aludido perfil foi feito em virtude de mensagens com conteúdo impróprio, por certo a autora sofreu perturbação de sua paz e tranquilidade de espírito, que extrapola os limites do mero aborrecimento, o que justifica a condenação do réu ao pagamento de danos morais, estipulados em R$ 3 mil.
O Facebook tem 10 dias para cumprir a determinação de desbloquear a conta da autora, caso ainda não o tenha feito, sob pena de multa diária a ser arbitrada em juízo de execução.
Cabe recurso.
PJe: 0719931-30.2020.8.07.0016
© Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT
S E N T E N Ç A
Vistos, etc.
Trata-se de ação de Conhecimento, submetida ao rito da Lei nº 9.099/95, ajuizada por PAULA MOREIRA FELIX COSTA em desfavor de FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA (“Facebook Brasil”).
A parte autora requereu em apertada síntese: “I – em caráter liminar, sob a égide da TUTELA DE URGÊNCIA: a) Determinar que: A1. Seja procedida a liberação e desbloqueio da conta da autora alocada sobre o link/ID: https://www.facebook.com/ppffcosta A2. Seja suspensa a aplicação de qualquer penalidade consistente em bloqueio ou banimento do perfil, garantindo-se o acesso da autora ao mesmo de forma ininterrupta até final julgamento da presente ação; A4. A manutenção da ordem judicial de todos os ponto alhures citados, até final julgamento da presente ação, sob pena de multa diária de R$1.000,00 (um mil reais), devendo referida ordem ser cumprida imediatamente após o recebimento da respectiva intimação/citação. II – que ao final, seja a presente ação julgada TOTALMENTE PROCEDENTE, reconfirmando todos os pedidos de tutela de urgência e ainda: a) Reconhecer a censura praticada pela requerida e com isso declarar a a abusividade de todas as cláusulas oriundas do Contrato de Adesão, denominado Termos e Condições de Uso, bem como de todos os “Adendos” a ele vinculados, que possibilitem o controle de conteúdo abusivo por parte da requerida; III – Requer ainda a condenação da requerida ao pagamento de indenização a título de danos morais no valor sugerido de R$10.000,00 (dez mil reais) e R$ 5.000,00 (cinco mil Reais) a título de danos temporal, a serem acrescidos de juros e correção desde a data da citação”.
A parte requerida FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA. (“Facebook Brasil”) arguiu preliminar de falta de interesse de agir do pedido de desbloqueio do perfil da autora eis que o mesmo se encontra ativo. No mérito pugnou pela improcedência dos pedidos autorais”.
Tutela de Urgência indeferida – ID 63382160.
Dispensado o relatório, nos termos do art. 38, caput, da Lei nº 9.099/95.
DECIDO.
No que concerne a preliminar arguida pela ré FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA. (“Facebook Brasil”) de falta de interesse de agir, sob a alegação de que o perfil da autora se encontra desbloqueado. Rejeito tal preliminar, eis que o objeto da ação é mais amplo do que o desbloqueio temporário do perfil da autora. Acrescento que as condições da ação são apreciadas à luz da Teoria da asserção, ou seja, de acordo com as alegações descritas pela parte requerente. Ainda, o exame da responsabilidade civil da ré acerca das pretensões vindicadas pela requerente são de cunho meritório. Diante disso, arrosto e rejeito a referida preliminar.
Passo ao exame do meritum causae.
O quadro delineado nos autos revela que a autora é uma das contratantes dos serviços da requerida, cujo perfil esta alocado sob o link/domínio: https://www.facebook.com/ppffcosta; que a requerida vem aplicando penalidades contra a autora, bloqueando seu acesso a sua conta pessoal, impedindo o acesso; que inicialmente a penalidade era de 3 dias e depois passou a 7 dias; que a partir do mês de maio de 2020; que a requerida acusou a autora de ter cometido várias “violações de seu contrato” intitulado Termos e Condições de Uso, enviando inclusive uma lista de bloqueios acusando-a de ter cometido “discurso de ódio, bullying e ameaças; que as indicações apontadas nas mensagens não indicam com precisão quais postagens da autora teriam sido o motivo das penalidades; que a autora teve novo bloqueio no último dia 12/05/2020, onde a mesma novamente ficou sem acesso a sua conta pelo prazo de 30 dias; que de forma estranha e coincidentemente, no dia 13/05/2020, ou seja, um dia após seu bloqueio a autora recebeu uma mensagem SMS da requerida informando que alguém estava tentando acessar sua conta, tendo inclusive requisitado a “redefinição de senha”; que houve duas tentativas de acesso não autorizado por terceiros que tentaram mudar sua senha; que qualquer espécie de controle e classificação de conteúdo revela censura, e ofensa à liberdade de expressão; que não há transparência na aplicação da penalidade, já que a autora sequer sabe qual, ou quais postagens foram objeto da violação indicada pela requerida; que as penalidades são aplicada de forma abrupta, e sem aviso; que a própria requerida já voltou atrás nos bloqueios, reconheceu o erro e devolveu a conta da autora, restando comprovado grave falha na prestação dos serviços; que a autora acaba sofrendo com as consequências das condutas abusivas da rede social, não apenas tendo seu direito a liberdade de expressão limitada de forma injusta, como também sofrendo constrangimento perante familiares, amigos e seguidores que notam que a mesma sofreu o bloqueio.
Registro que a autora alega que vem tendo o seu perfil de Facebook bloqueado ao argumento de que suas postagens violam os padrões de mensagens estabelecidos pelo Termo e condições de uso da ré. Relata que por ocasião dos bloqueios, ficou sem acesso ao seu perfil, inicialmente por 3 dias, depois por 7 dias e, em 12/05/2020, por 30 dias. Discorre, informando que tais bloqueios acarretaram, à mesma, constrangimentos perante familiares e amigos.
A ré, no mérito, aduz que agiu em exercício regular de direito, uma vez que a autora concordou com os Termos e condições de uso da sua plataforma. Registra que faz o controle de mensagens com o fim de garantir a boa convivência dos usuários. Argumenta que não causou prejuízo moral a autora, portanto, não há o que indenizar.
O fato deve ser analisado sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor em conjunto com a Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet).
O quadro delineado nos autos revela que a autora tem o seu perfil de Facebook bloqueado em face de mensagens que nele posta. O réu não nega que tenha bloqueado, temporariamente, algumas mensagens do mencionado perfil, argumentando que estas postagens violaram os seus Termos de Serviço e Padrões da Comunidade do Serviço Facebook, principalmente, no que toca a conteúdos contendo bullying, violência e ódio. Não consta nos autos o conteúdo das mencionadas mensagens, havendo, apenas, a informação de bloqueio das mesmas.
O ponto nodal da questão reside em saber se é legítima a conduta do réu em bloquear as mensagens postadas pela autora, à luz da garantia de liberdade de expressão prevista no art. 5º, inciso IV da CF/88, bem como na vedação da censura, conforme previsto no art. 19 da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet). E mais, se a conduta do réu causou violação ao direito de personalidade da autora.
Analisando o mais que dos autos consta, verifico que os argumentos trazidos pelo réu para calcar o bloqueio de acesso às postagens da autora em seu perfil, não são eficientes para demonstrar a legitimidade do denominado “controle” de conteúdo que efetua, de acordo com os termos que ele mesmo estabelece em seu contrato adesivo. Sequer foram trazidas aos autos a mencionadas mensagens, não se podendo aferir se realmente violaram, até mesmo, os termos de uso elaborados pelo réu. Registro que, ainda que, por si só, não restaria justificada a ação de bloquear a conta da autora, o conteúdo das mensagens, ao menos, demonstraria a alegação de que possui conteúdo de bullying, violência e ódio.
A exegese do art. 19 da Lei nº 12.965/2014, revela que cabe ao Poder Judiciário a ponderação quanto a viabilidade de se bloquear determinado conteúdo, tanto que só responsabiliza o provedor de internet, quando não cumpre a ordem Judicial.
Vejamos o teor do mencionado dispositivo: “Art. 19: Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.
Verifica-se, portanto, que a norma visa exatamente assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura.
Ressalto, todavia, que a opinião particular da autora, sobre determinado fatos ou pessoas, deve se pautar na Honradez e na Dignidade da Pessoa Humana, sendo vedado a mesma, abusar do seu direito à livre expressão, sobretudo diante da vedação Constitucional ao anonimato, conforme art. 5º, inciso IV da CF/88. De qualquer forma, cabe ao Poder Judiciário, mediante ponderação Judicial, determinar a retirada de mensagens com conteúdo reputado abusivo, nos termos do art. 19 da Lei nº 12.965/2014.
Quanto aos danos morais, tenho que o réu violou direito de personalidade da autora. Ora, se o bloqueio de seu perfil foi levado a efeito por mensagens contendo conteúdo supostamente relacionado a bulluing, violência e ódio, por certo a autora sofreu perturbação de sua paz e tranquilidade de espírito, que extrapola os limites do mero aborrecimento.
Quanto ao pedido de reparação de danos temporais, por desvio produtivo, entendo que tem a mesma natureza jurídica de reparação por danos morais, consistindo em “bis in idem” o pedido de reparação formulado nesse sentido.
Tenho como cabível o pedido da requerente para condenar o réu na obrigação de não bloquear o perfil da autora (https://www.facebook.com/ppffcosta) em sua plataforma, a partir do prazo de 10 (dez) dias, contados de sua intimação pessoal que ocorrerá após o trânsito em julgado desta sentença, sob pena de multa diária ser arbitrada em eventual juízo de execução.
Com relação aos danos morais, tenho que restaram configurados, porquanto, os fatos narrados na inicial ultrapassam a esfera do mero aborrecimento. Ressalte-se que o dano moral dispensa “qualquer exteriorização a título de prova, diante das próprias evidências fáticas” (In Reparação Civil Por Danos Morais, CARLOS ALBERTO BITTAR – 3ª EDIÇÃO – Rev. Atual e Ampl. São Paulo, Ed. RT, pág. 137). Trata-se de “damnum in re ipsa”. Resta a análise do “quantum” devido.
Ensina o notável Karl Larenz que na avaliação do “pretium doloris” deve-se levar em conta não só a extensão da ofensa, mas também o grau da culpa e a situação econômica das partes, vez que não há no dano moral uma indenização propriamente dita, mas apenas uma compensação ou satisfação a ser dada por aquilo que o agente fez ao prejudicado” (Derecho de Obligaciones, t. II, p. 642).
Como bem observa o exímio mestre Yussef Said Cahali, no dano patrimonial busca-se a reposição em espécie ou em dinheiro pelo valor equivalente, ao passo que no dano moral a reparação se faz através de uma compensação ou reparação satisfativa (Dano e Indenização, Ed. Revista dos Tribunais, SP, 1980, p. 26).
Com efeito, a valoração do dano sofrido pela autora há de ser feita mediante o prudente arbítrio do magistrado que deve considerar a proporcionalidade entre o dano moral sofrido, incluindo aí sua repercussão na vida do ofendido, bem como as condições econômico-financeiras do agente causador do dano, objetivando não só trazer ao ofendido algum alento no seu sofrimento, mas também repreender a conduta do ofensor.
À vista de todos os aspectos abordados acima, tenho que o valor de R$ 5.000,00, a título de indenização por danos morais, mostra-se, no presente caso, suficiente e dentro dos parâmetros da razoabilidade.
Forte em tais razões e fundamentos JULGO PROCEDENTE, em parte, os pedidos autorais, com base nos artigos 5º e 6º da Lei 9.099/95 e artigo 7º da Lei 8.078/90, para: 1) CONDENAR a parte requerida FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA. (“Facebook Brasil”) na OBRIGAÇÃO DE FAZER DE NÃO BLOQUEAR O PERFIL DA AUTORA (https://www.facebook.com/ppffcosta) EM SUA PLATAFORMA, a partir do prazo de 10 (dez) dias, contados de sua intimação pessoal que ocorrerá após o trânsito em julgado desta sentença, sob pena de multa diária a ser arbitrada em eventual juízo de execução, em favor da parte autora. 2) CONDENAR a parte requerida FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA. (“Facebook Brasil”) a pagar à parte autora PAULA MOREIRA FELIX COSTA a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais), a título de danos morais, a ser corrigida monetariamente, pelo INPC, desde a data desta decisão (Súmula 362 do STJ), com juros legais de 1% a.m., a contar da citação, conforme art. 405 do Código Civil.
JULGO EXTINTO O PROCESSO, COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, com espeque no art. 487, inciso I, do CPC c/c o art. 51, “caput”, da Lei nº 9.099/95.
Cumpre a parte autora, se houver interesse e após o trânsito em julgado, solicitar, por petição instruída com planilha atualizada do débito, o cumprimento definitivo da presente sentença, conforme regra do art. 523 do CPC. Não o fazendo, dê-se baixa e arquivem-se.
Formulado o pedido de cumprimento de sentença, a parte requerida deverá ser intimada pessoalmente (Súmula 410 do STJ), a cumprir a obrigação de fazer acima determinada, bem como a promover o pagamento espontâneo do valor da condenação, no prazo de 15 dias, sob pena da incidência da multa de 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado do débito, nos termos do art. 523, §1º do CPC.
Com o pagamento, expeça-se alvará.
Sem custas, sem honorários (art. 55, caput, da Lei nº 9.099/95).
Sentença registrada eletronicamente.
Intimem-se.
ORIANA PISKE
Juíza de Direito
(assinado digitalmente)
Assinado eletronicamente por: ORIANA PISKE DE AZEVEDO BARBOSA 31/07/2020 15:18:19 https://pje.tjdft.jus.br:443/consultapublica/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam ID do documento: 68808996 |