04 de Janeiro de 2020
Por que a bolha da maconha legal do Canadá estourou
Quando o Canadá legalizou a maconha, cerca de um ano atrás, a disputa para entrar no recém-criado mercado, que envolveu investidores como o rapper Snoop Dogg e um ex-chefe da polícia de Toronto, foi apelidada pela imprensa de “corrida verde”.
Mas, assim como na corrida pelo ouro nos anos 1850, o brilho desvaneceu, e investidores acabaram comendo poeira. Para completar, a despeito da legalização, muitos canadenses ainda compram maconha no mercado negro.
“Não era preciso ser um especialista para reconhecer que essas transações (financeiras envolvendo a maconha) estavam baseadas em fantasia”, diz Jonathan Rubin, CEO da New Leaf Data Services.
Com décadas de experiência no mercado de commodities de energia, Rubin viu a legalização da cannabis em Estados como Colorado e Califórnia, nos EUA, e depois no Canadá, como oportunidade única para estrear em uma nova commodity.
“Tive uma epifania de que essa iria ser uma commodity como qualquer outra”, ele disse à BBC. Ou seja: para ele, o preço da cannabis no atacado flutuaria como o valor do trigo ou do porco.
Por isso, em vez de investir no produto em si, Rubin começou a New Leaf para rastrear o preço da cannabis nos Estados onde era legal. Investidores e outras pessoas do setor pagam pelo acesso a esses dados.
Esse modelo de negócios deu a Rubin um ponto de vista interessante de como o mercado se desenvolveu. No Canadá, diz, ele decepcionou.
“Não houve o crescimento em vendas e os ganhos imaginados”, afirmou ele. “Não quero dizer que é um fracasso, mas definitivamente houve decepções.”
Os preços no atacado caíram cerca de 17% desde que a New Leaf começou a rastrear os dados, o que manteve as margens de lucro apertadas para os produtores.
As vendas também desaceleraram, de acordo com o Statistics Canada.
Isso causou uma montanha-russa nos preços das ações de empresas de capital aberto no mercado de cannabis.
Em maio de 2018, a produtora canadense Canopy Growth ganhou as manchetes quando se tornou a primeira empresa de maconha a ser listada na Bolsa de Valores de Nova York.
Seis meses depois, o preço de suas ações havia dobrado, atingindo US$ 52,03.
Agora, os papéis voltaram ao patamar original — e os concorrentes da Canopy sofreram perdas igualmente drásticas.
Problemas de crescimento
Os sinais de problemas surgiram logo no início. Quando a maconha foi legalizada, em 17 de outubro de 2018, não havia oferta suficiente para atender a demanda.
Longas filas e pedidos atrasados atormentavam os consumidores. Os produtores não tinham certeza de quais tipos seriam mais populares em que lugares, e os problemas na cadeia de distribuição ainda estavam sendo resolvidos.
“Tentamos entender quais tipos deveríamos cultivar, em quais formatos e quantidades (…). Fizemos um ótimo trabalho, mas não acertamos em tudo”, diz Rade Kovacevic, presidente da Canopy.
Uma colcha de retalhos de leis locais canadenses também tornou mais o acesso dos consumidores aos produtos mais difícil. Embora seja fácil comprar maconha em em algumas regiões, em outras as lojas físicas são escassas e distantes entre si.
Isso acontece especialmente em Ontário, a província mais populosa do Canadá. A burocracia e o limite no número de pontos de venda de maconha tornaram a implementação lenta. Apenas 24 licenças de varejo 24 foram concedidas (por loteria) para atender a uma população de 14,5 milhões.
Oferta e demanda de cannabis
Em quilos.
Fonte: Governo do Canadá
E, onde antes havia escassez, agora há muito produto disponível, em parte por causa da falta de pontos de venda.
Em setembro de 2019, os canadenses compraram 11.707 kg de cannabis seca no Canadá. Mas os produtores tinham um total de cerca de 165.000 kg de produtos acabados e inacabados prontos para venda — mais que o suficiente para atender a demanda por um ano inteiro.
Kovacevic atribui muitos dos problemas de sua empresa a dificuldades no varejo em Ontário.
“Acho que a falta de continuidade dos pontos de venda em todo o país atrasou a transição do mercado negro para o mercado legal”, afirma. “Foi um desafio.”
Mercado negro prosperando
Quando o governo anunciou a decisão de legalizar a maconha, uma de suas principais motivações era reduzir o mercado negro.
Mas o Statistics Canada, que mede as estatísticas do país, estima que cerca de 75% dos usuários de maconha ainda usam cannabis ilegal.
“Há uma resistência muito forte a lojas legais porque a) são mais caras e b) não há suficientes. As lojas não estão perto das pessoas, que então decidem continuar comprando com o seu ‘cara’ de sempre”, diz Robin Ellis, cofundador da varejista de Toronto The Friendly Stranger e ativista da legalização da maconha.
Havia apenas cinco lojas de varejo abertas em Toronto em 2019, e todas estavam concentradas no centro da cidade, o que significava que muitas pessoas tinham que dirigir quilômetros se quisessem comprar maconha legal.
Além disso, a maconha legal também é muito mais cara.
O preço de varejo da cannabis legal aumentou, de 9,82 dólares canadenses por grama em outubro de 2018 para 10,65 dólares canadenses por grama em julho, segundo o Statistics Canada.
Enquanto isso, o preço do grama ilegal caiu de 6,51 para 5,93 dólares canadenses.
Legalizar a maconha
Talvez uma das razões pelas quais as vendas tenham sido fracas para os produtores seja que, ao contrário do que alguns especialistas em saúde temiam, a legalização da maconha não transformou todos em maconheiros.
No ano passado, a porcentagem de canadenses que consumiam maconha cresceu de 14% para 17%.
Venda de cannabis
Em quilos
Fonte: Statistics Canada
O uso varia muito de acordo com a idade. As pessoas entre 25 e 34 anos são as mais propensas a usar maconha, seguidas pelas de idades entre 15 e 24 (a idade legal para consumir cannabis varia no Canadá entre 18 e 21). As pessoas mais velhas são as menos propensas a usar maconha —mas o uso entre eles cresceu muito mais do que em outras faixas etárias, e os idosos são os mais propensos a comprar apenas maconha legal, de acordo com o Statistics Canada.
Uma pesquisa feita nos Estados Unidos mostra a mesma tendência: em Estados onde a maconha foi legalizada, o uso entre adolescentes diminuiu ou permaneceu o mesmo.
Ellis diz que é importante lembrar que, apesar das dificuldades de crescimento do setor, a legalização tem sido um sucesso.
“Não acho que os canadenses entendam completamente a magnitude dessa mudança. Não é que disponibilizamos algo rapidamente — foram necessários 25 anos de trabalho duro para obter a legalização”, diz ele.
A legalização da maconha também abriu uma nova indústria para a economia canadense.
As vendas de brotos secos cresceram de cerca de 4.405 kg em outubro de 2018 para 11.707 kg em setembro de 2019.
A indústria de maconha agora vale 8,6 bilhões dólares canadenses, ou cerca de 0,3% do PIB do país em 2018.
Virando a folha
Há indícios de melhora para o mercado em 2020, afirmam os envolvidos com o setor.
Em dezembro, o governo de Ontário anunciou que, após um início lento e instável, a província se abrirá mais para a indústria da maconha. Serão elimininados o sistema de loteria, o limite ao número de lojas e alguns requisitos de pré-qualificação.
Isso foi bem visto por quem tenta entrar no mercado.
“Estamos realmente ansiosos”, diz Ellis. Sua loja, a Friendly Stranger, vende acessórios de maconha, e ele pretende abrir até 20 revendedores licenciados no ano novo.
Produtores também poderão abrir uma loja no local, assim como algumas cervejarias vendem cerveja diretamente aos consumidores.
“Se tudo correr bem, esperamos ver um equilíbrio maior entre oferta e demanda”, diz Rubin.
Mais tipos de produtos também chegarão ao mercado em breve. O governo está legalizando itens alternativos, como comestíveis e vaporizadores. Esses produtos devem chegar logo às prateleiras.
Até agora, o Departamento de Saúde do Canadá só permitia a venda de óleo de cannabis, flores secas, sementes e plantas aos consumidores.
Rubin espera que esses novos produtos ajudem as vendas no varejo a crescer de 30% a 40%. Espera-se que os formatos sejam um sucesso, especialmente entre pessoas que nunca experimentaram maconha.
“Haverá muitas pessoas por aí que vão querer experimentar maconha pela primeira vez em um formato que não seja fumar ou usar o vaporizador”, diz Ellis.
As novas linhas de produtos estão ajudando o setor a atrair investimentos. A Constellation Brands, que fabrica a cerveja Corona, detém uma participação de 38% na Canopy, por exemplo.
Kovacevic, presidente da Canopy, diz que lançará bebidas com THC (a substância psicoativa da maconha) no início de 2020.
Esses produtos foram projetados para ter uma dose baixa e precisa de THC, que produziria um efeito equivalente ao de uma cerveja. Eles não irão conter álcool. A empresa também começará a fabricar chocolates com THC.
“Acho que é uma ótima oportunidade”, diz ele. “Produtos como vaporizadores e produtos comestíveis são onipresentes no mercado negro, e os canadenses agora terão a oportunidade (de comprá-los) em uma loja legal.”
Robin Levinson-King BBC News, Toronto