14 de Dezembro de 2019
Alessandra Corrêa De Winston-Salem (EUA) para a BBC News Brasil
Durante 11 anos, o americano Doug Lindsay viveu 22 horas por dia preso a uma cama, acometido por uma doença misteriosa que nenhum médico conseguia diagnosticar e, muito menos, tratar.
Os primeiros sintomas surgiram em 1999, quando ele tinha 21 anos de idade e se preparava para começar o último ano da faculdade de Biologia. Lindsay, que até então era um jovem saudável, começou a sentir palpitações, vertigem, cãibras e fadiga.
Os médicos inicialmente achavam que se tratava de mononucleose e recomendaram que ele passasse as férias descansando. Mas ele não melhorava, e começou a suspeitar que seu quadro era mais grave e que sofria da mesma doença crônica que, por anos, afligiu sua família.
“Durante a maior parte da minha vida, minha mãe e minha tia sempre estiveram doentes”, diz Lindsay à BBC News Brasil. “Elas sofriam de rigidez muscular, dores e fraqueza e tinham dificuldade para caminhar.”
Assim como a mãe e a tia, Lindsay passou por inúmeras consultas com diversos médicos, entre eles neurologistas, endocrinologistas e especialistas em medicina interna. Mas nenhum deles conseguia explicar seus sintomas. “Depois de alguns meses, ficou claro que eles não tinham respostas. E eu percebi que minha mãe e minha tia haviam passado a vida inteira indo a médicos e nunca tiveram respostas”, lembra.
Determinado a encontrar uma resposta, ele começou a pesquisar por conta própria. Depois de anos mergulhado em livros e artigos médicos e de inúmeros contatos com especialistas, Lindsay acabou não apenas chegando a um diagnóstico – descobriu que suas glândulas suprarrenais produziam adrenalina em excesso – como também desenvolvendo uma cirurgia para curar a própria doença.
Hoje, ele dá palestras sobre sua experiência e atua como consultor médico para ajudar outros pacientes com enfermidades raras.
Pesquisa por conta própria
Pouco tempo após o surgimento dos primeiros sintomas, Lindsay já estava tão debilitado que teve de abandonar a faculdade e voltar a morar na casa da mãe, em St. Louis, no Estado de Missouri.
“Eu continuava piorando. Acabei ficando tão doente que só conseguia caminhar cerca de 15 metros e só conseguia ficar em pé por poucos minutos antes de começar a sentir o teto girar, cãibras e palpitações”, relata.
Ele instalou uma cama de hospital na sala de estar, onde passava a maior parte do dia deitado, fraco demais para se levantar ou caminhar mais do que alguns passos. Lindsay então mergulhou em livros e artigos médicos indicados por amigos e especialistas.
Depois de muita pesquisa, ele começou a suspeitar que tinha algum tipo de disautonomia (transtorno provocado por alterações no sistema nervoso autônomo, que controla funções como frequência cardíaca, pressão sanguínea e respiração). Mas, quando tentava apresentar sua teoria a médicos, a reação era de incredulidade e de que o tipo de problema que ele descrevia não existia.
Levou algum tempo até Lindsay descobrir que havia uma organização sem fins lucrativos dedicada ao estudo da disautonomia, a National Dysautonomia Research Foundation. A partir das informações obtidas com a fundação, ele conseguiu aprofundar sua pesquisa.
Em 2002, Lindsay viajou à Carolina do Sul para participar de um congresso da American Autonomic Society, organização que reúne especialistas no sistema nervoso autônomo. Aos 24 anos e em uma cadeira de rodas, ele fez uma apresentação sobre seu caso para cientistas do mundo inteiro reunidos no evento.
“Eu acreditava que tinha um problema muito grave no sistema nervoso autônomo e que (esse problema) não se encaixava na maioria das descrições (na literatura médica)”, afirma.
Diagnóstico e tratamento
O caso de Lindsay chamou a atenção do médico H. Cecil Coghlan, professor da Universidade de Alabama, em Birmingham.
Lindsay achava que tinha algum problema em suas glândulas suprarrenais (que estão localizadas acima dos rins e liberam hormônios como adrenalina). Com a ajuda de Coghlan, ele conseguiu determinar que sua doença estava relacionada à produção excessiva de adrenalina pelas glândulas suprarrenais.
Disposto a encontrar uma solução para seu problema, Lindsay discutiu com Coghlan a ideia de tentar adaptar um medicamento que já existia, mas nunca havia sido usado em uma doença como a sua. O tratamento, adotado a partir de 2004, envolvia a administração de noradrenalina via terapia intravenosa, 24 horas por dia.
Lindsay diz que a medicação teve efeito e evitou que seu quadro piorasse, mas ele continuava doente e ainda não sabia exatamente o que estava causando a produção excessiva de adrenalina.
“Nós pensamos que, se eu tivesse um tumor na glândula suprarrenal, que estivesse liberando adrenalina, uma cirurgia poderia resolver o problema. Mas eu não tinha um tumor, e nós levamos quase dois anos até descobrir o que eu realmente tinha”, relata.
Em 2006, sete anos depois de ficar doente, Lindsay finalmente conseguiu uma resposta: um exame de medicina nuclear revelou uma anormalidade na medula (parte central) de suas glândulas suprarrenais.
“O centro das minhas glândulas suprarrenais era hiperativo (o que levava à produção em excesso de adrenalina) e meu corpo era hipersensível a isso. O que poderíamos fazer (para resolver o problema) era remover (a medula) das glândulas suprarrenais”, observa.
Mas esse tipo de cirurgia não existia. Lindsay então decidiu inventar uma. “Eu passei os próximos quatro anos tentando descobrir uma maneira de fazer essa cirurgia e, depois, tentando encontrar um médico que aceitasse realizar a operação”, diz.
Lindsay acabou encontrando relatos de cirurgias que removeram essa parte central da glândula suprarrenal em animais. Ele estava disposto a ser o primeiro humano a passar pelo procedimento.
Cirurgia e recuperação
Somente em 2010, depois de 11 anos passados na maior parte do tempo preso a uma cama, Lindsay conseguiu reunir uma equipe médica que concordou em fazer a cirurgia, na Universidade de Alabama.
Três semanas depois, ele já conseguia sentar, ficar em pé e até caminhar sem os sintomas que o afligiram por tanto tempo. Em 2012, ele fez a segunda cirurgia, na glândula suprarrenal do lado direito.
Hoje Lindsay diz levar uma vida produtiva. Ele ainda precisa tomar nove remédios por dia, mas acredita que eventualmente poderá reduzir a quantidade de medicamentos.
“Eu não posso correr, não posso comer o tipo errado de comida. Ainda tenho desafios. Mas eu posso viver a maior parte de uma vida normal, o que é maravilhoso”, salienta.
Lindsay conta que sua mãe já estava muito doente quando ele conseguiu fazer a cirurgia, e ela não pôde se submeter a uma operação. Ela morreu em 2016. Mas ele credita ao tratamento que inventou o fato de que a mãe pôde viver seus últimos anos com menos dor. Coghlan, o médico que acreditou nele e o ajudou a diagnosticar e tratar a doença, morreu em 2015.
Em 2016, Lindsay finalmente conseguiu se formar em Biologia. Hoje, aos 42 anos, ele dá palestras sobre sua trajetória e compartilha sua experiência com médicos e pacientes com doenças raras. Ele planeja criar um centro para promover inovação e colaboração entre pacientes e médicos.
Ele afirma que continua pesquisando sobre sua doença e espera um dia atuar em parceria com uma universidade para analisar a causa genética da enfermidade. “Um teste genético tornaria um processo tão complicado (até conseguir um diagnóstico) muito mais simples”, ressalta.
“Não acho que minha doença é tão rara que somente minha família tem. Acho que minha família foi a única que conseguiu ser diagnosticada, por causa do trabalho que fiz.”