30 de Novembro de 2019
Há algum tempo, se você quisesse avaliar as perspectivas de alguém crescer na carreira, poderia considerar pedir um teste de QI, o quociente de inteligência, que mede indicadores como memória e habilidade matemática.
Mais recentemente, passaram a ser avaliadas outras letrinhas: o quociente de inteligência emocional (QE), uma combinação de habilidades interpessoais, autocontrole e comunicação. Não só no mundo do trabalho, o QE é visto como um kit de habilidades que pode nos ajudar a ter sucesso em vários aspectos da vida.
Tanto o QI quanto o QE são considerados importantes para o sucesso na carreira. Hoje, porém, à medida que a tecnologia redefine como trabalhamos, as habilidades necessárias para prosperar no mercado de trabalho também estão mudando. Entra em cena então um novo quociente, o de adaptabilidade (QA), que considera a capacidade de se posicionar e prosperar em um ambiente de mudanças rápidas e frequentes.
“O QI é o mínimo que você precisa para conseguir um emprego, mas a QA é indicador de sucesso a longo prazo”, diz Natalie Fratto, vice-presidente da Goldman Sachs em Nova York que se interessou pelo QA enquanto investia em novas empresas de tecnologia. Depois, ela apresentou uma palestra popular na plataforma TED sobre o assunto.
Fratto diz que o QA não é apenas a capacidade de absorver novas informações, mas de descobrir o que é relevante, deixar para trás noções obsoletas, superar desafios e fazer um esforço consciente para mudar. Esse quociente envolve também características como flexibilidade, curiosidade, coragem e resiliência.
À medida que a sociedade muda, o QA pode se tornar mais importante do que o QI? Em caso afirmativo, como identificar e aprimorar o seu QA?
Adaptação ou obsolescência
Amy Edmondson, professora de Administração da Harvard Business School, diz que é a velocidade vertiginosa das mudanças no mercado de trabalho que fará o QA vencer o QI.
A tecnologia mudou bastante a forma como alguns trabalhos são feitos, e a tendência continuará — nos próximos três anos, 120 milhões de pessoas nas 12 maiores economias do mundo possivelmente precisarão ser recolocadas por causa da automação, de acordo com um estudo da IBM deste ano.
Qualquer função que envolva detectar padrões nos dados — advogados revisando documentos legais ou médicos buscando o histórico de um paciente, por exemplo — é fácil de se automatizar, diz Dave Coplin, diretor da The Envisioners, consultoria de tecnologia sediada no Reino Unido. Isso ocorre porque um algoritmo pode executar essas tarefas com mais rapidez e precisão do que um humano.
Para evitar a obsolescência, os trabalhadores que cumprem essas funções precisam desenvolver novas habilidades, como a criatividade para resolver novos problemas, empatia para se comunicar melhor e responsabilidade. Ou seja, usar a intuição humana para complementar o trabalho das máquinas: “Se algo pode fazer 30% das tarefas que eu costumava fazer, o que posso fazer com essa lacuna não utilizada? Os vencedores são aqueles que escolhem fazer coisas que outros não conseguem.”
Edmondson diz que toda profissão vai exigir adaptabilidade e flexibilidade, do setor bancário às artes. Digamos que você é um contador. Seu QI te ajuda nas provas pelas quais precisa passar para se qualificar; seu QE contribui na conexão com um recrutador e depois no relacionamento com colegas e clientes no emprego. Então, quando os sistemas mudam ou os aspectos do trabalho são automatizados, você precisa do QA para se acomodar a novos cenários.
Todos os três quocientes são um tanto complementares, pois todos ajudam a resolver problemas e, portanto, a se adaptar, aponta Edmondson. Um candidato ideal possui todos os três, mas nem todos são assim.
“Existem gênios rígidos”, diz ela.
Ter QI, mas nenhum QA, pode ser um bloqueio para as habilidades existentes diante de novas maneiras de trabalhar.
No mundo corporativo, o QA está sendo cada vez mais buscado na hora da contratação. De acordo com o estudo da IBM, 5.670 executivos em todo o mundo classificaram as habilidades comportamentais como as mais críticas para a força de trabalho atualmente, e a principal delas era a capacidade “de ser flexível, ágil e adaptável à mudança”.
Will Gosling, líder em consultoria de capital humano da Deloitte no Reino Unido, diz que não há um método definitivo para medir a adaptabilidade como um teste de QI, mas as empresas acordaram para o valor do QA e estão mudando seus processos de recrutamento para identificá-lo nas pessoas.
A Deloitte, por exemplo, tem feito simulações online com candidatos em que eles são avaliados quanto à sua adaptabilidade; um dos testes pede que a pessoa mostre como estimularia colegas relutantes a se juntar à equipe de triatlo da empresa. A Deloitte também procura contratar pessoas que demonstraram ter bom desempenho em diferentes funções, setores ou locais de trabalho.
Fratto, da Goldman Sachs, sugere três formas pelas quais o QA pode se manifestar em possíveis candidatos: se eles podem imaginar versões do futuro fazendo perguntas “e se”; se podem desaprender informações para desafiar pressupostos; e se gostam de explorar ou buscar novas experiências.
Ela diz que essa não é uma receita definitiva para o QA, mas os recrutadores devem fazer esse tipo de pergunta para buscar evidências dessa habilidade nos candidatos. Na verdade, ela coloca essas questões aos líderes das empresas de tecnologia que estão pleiteando seu investimento.
‘Missão crítica’
Uma coisa boa do QA é que, mesmo que seja difícil mensurá-lo, especialistas dizem que ele pode ser desenvolvido.
Penny Locaso, fundadora da BKindred, empresa australiana da área da educação que trabalha com o valor da capacidade de adaptação, diz que algumas pessoas têm personalidades mais curiosas ou corajosas, o que pode explicar por que são naturalmente melhores em se adaptar do que outras.
“No entanto, se a pessoa não continuar a surfar até o limite do desconforto, a adaptabilidade com a qual nasceu pode diminuir com o tempo.”
Ela sugere três maneiras para aumentar a adaptabilidade: primeiro, limite as distrações e aprenda a se concentrar no mapeamento das adaptações que devem ser feitas; em seguida, faça perguntas desconfortáveis, como pedir um aumento salarial, para desenvolver coragem e normalizar o medo; terceiro, estimule sua curiosidade por coisas fascinantes e busque respostas sobre elas em conversas com outras pessoas, em vez do Google — hábito atual que “faz com que nosso cérebro seja preguiçoso” e diminui nossa capacidade de resolver desafios difíceis.
Otto Scharmer, professor da Sloan School of Management no MIT, que escreveu livros sobre o aprendizado no futuro emergente, sugere outros métodos. Em uma palestra no TED, ele recomenda permanecer aberto a novas possibilidades, tentando ver uma situação através dos olhos de outra pessoa e reduzindo seu ego para que possa se sentir confortável com o desconhecido.
Uma coisa que sabemos é que os locais de trabalho do futuro funcionarão de maneira diferente. Podemos nem todos estar à vontade com o ritmo da mudança, mas podemos nos preparar.
Como diz Edmondson: “Aprender a aprender é uma missão crítica. A capacidade de aprender, mudar, crescer, experimentar se tornará muito mais importante do que o domínio de um assunto.”
BBC