Com a galeria lotada, o plenário da Câmara Legislativa do Distrito Federal realizou comissão geral nesta quinta-feira (9) sobre as alterações promovidas pelo governo na política de atenção primária à saúde e a supressão de direitos dos servidores da pasta. Sindicalistas e trabalhadores pediram a revogação das portarias que tratam do assunto – entre elas, a 77, a 78 e a 94 – e argumentaram déficit de servidores e estrutura inadequada para implementar o modelo de saúde da família proposto pelo governo. Presente à reunião, o secretário de Saúde do DF, Humberto Lucena, garantiu haver recursos humanos suficientes para atender 75% dos usuários.
Hoje, a estratégia de saúde da família – que é o modelo a ser adotado na atenção primária – alcança 32% de 2,9 milhões de pessoas no DF, segundo dados do Ministério da Saúde. Segundo o recomendado, uma equipe de saúde da família deve ser integrada por um médico, um enfermeiro, até dois técnicos de enfermagem e seis agentes comunitários de saúde.
“Como aumentar a cobertura de 32% para 75% com menos de mil agentes de saúde cadastrados?”, questionou o vice-presidente do Sindicato dos Auxiliares e Técnicos em Enfermagem do DF (Sindate), Jorge Viana. E completou: “O governador prometeu contratar mais 2 mil agentes e não cumpriu, não sei como vai fazer esse milagre agora”.
Presidente do Sindicato dos Agentes de Saúde, Aldemir Domício, também lamentou a falta de profissionais para implementar as alterações na política de atenção primária: “Sonho ver Brasília coberta com a estratégia de saúde da família, mas a proposta não está de acordo com o recomendado pelo Ministério da Saúde. Que mágica é essa de expandir a cobertura sem equipes completas? Política não pode ser feita com canetada”.
Domício criticou ainda a mudança nas gratificações por titulação dos servidores. “Os agentes têm os salários mais baixos da saúde, e até nossa gratificação querem tirar”, apontou. Essas alterações também foram criticadas por outros servidores. Segundo Dayse Amarílio, presidente do Sindenfermeiro, tem servidor que vai ter o contracheque reduzido em até 50% pela Portaria 94. “Assistência de qualidade se faz com profissional valorizado”, afirmou, após destacar o alto índice de adoecimento dos trabalhadores da área.
A falta de diálogo para a formatação e a implementação do modelo proposto esteve presente na maioria das falas durante a comissão geral. “A saúde no DF tem solução, mas tem de se discutir com quem está trabalhando. Uma portaria imposta de cima para baixo não funciona”, disse Marli Rodrigues, presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Saúde de Brasília (SindSaúde/DF), em meio a aplausos dos presentes na galeria.
A deputada Celina Leão (PPS), uma das parlamentares à frente da comissão, frisou a importância da participação dos servidores da saúde no debate, elogiando o compromisso desses trabalhadores. “O governo precisa de uma política que atenda o servidor e, principalmente, a população”, disse.
Já o deputado Raimundo Ribeiro (PPS) foi além e teceu críticas diretas ao governador Rodrigo Rollemberg: “Ele não honra o que diz, e elege como inimigo seu maior parceiro, que é o servidor”.
“É a filosofia ou a falta de filosofia que impulsiona o combalido governador Rodrigo Rollemberg do (PSB)”, finalizou Raimundo com duras críticas.
Transição – O período de transição do modelo atual, predominante de atenção tradicional, para o de saúde da família foi outro ponto que gerou questionamentos e insatisfações. No que se refere ao argumento de que a estratégia de saúde da família (ESF) deve desafogar os hospitais, muitos presentes apontaram o fato de que a maioria da população ainda tem uma cultura hospitalar, não sentindo tanta segurança na atenção primária pela falta de uma estrutura para a realização de exames – o que, em tese, estaria presente nos hospitais. Para muitos manifestantes, o modelo proposto é uma “utopia” no cenário atual.
Humberto Lucena, secretário de Saúde, insistiu, contudo, na implementação da ESF já neste momento: “É o único modelo apoiado pelo Ministério, e cientificamente não há o que se questionar”. De acordo com ele, com os recursos humanos disponíveis, é possível montar 328 equipes de saúde da família. Ele assegurou, ainda, que os centros de saúde não serão fechados.
O cronograma previsto pela pasta estabelece 45 dias para as superintendências apresentarem seus planos, os quais deverão ser implementados até junho, e a transição será concluída em um ano e quatro meses, período em que os servidores que quiserem trabalhar com saúde da família serão capacitados. “Não sei o que disseram para tamanha revolta. Isso é para a população, não é para o governo”, concluiu.
Denúncias – Durante a comissão geral, Jorge Viana, do Sindate/DF, denunciou irregularidade no repasse de recursos do governo federal para o GDF. Segundo ele, o DF recebe recursos para contratar agentes de saúde comunitária para jornadas de 40h por semana; contudo, as contratações feitas são de 20h. “Isso é apropriação indébita, é crime”, disse a deputada Celina Leão, que solicitou o encaminhamento das informações para fiscalização.
Outra denúncia feita por representantes dos servidores foi de assédio moral e ameaças contra os trabalhadores, visando a impedir a participação e a manifestação no debate desta tarde. Do lado de fora da Câmara Legislativa, uma confusão entre manifestantes gerou também outra denúncia: a de que um grupo de pessoas teria sido contratado para tumultuar o debate e impedir a entrada de servidores na Casa.
Celina Leão disse haver fotografias e testemunhas dos “baderneiros” recebendo dinheiro (R$ 100,00) e lanche. Já o vice-presidente da Casa, deputado Wellington Luiz (PMDB), solicitou apuração por parte da Polícia Legislativa, para identificar “quem recebeu e quem pagou”. O líder do governo, deputado Rodrigo Delmasso (Podemos), também pediu investigação por parte da Comissão de Fiscalização: “Precisamos saber qual é a fonte. Tenho certeza de que o governo não aceita essa prática”.