Em maio de 2009, Naima Houder-Mohammed tornou-se capitã do Exército britânico. No ano seguinte, ela foi diagnosticada com câncer de mama, se tratou e foi considerada curada.
Mas, em 2012, enquanto treinava com a equipe militar de esqui, foi detectado que seu câncer havia retornado. Sua situação era tão séria que foi oferecido a ela um tratamento paleativo até sua morte.
“Ela se recusou a aceitar que era seu fim”, recorda seu amigo e ex-companheiro de profissão, Afzal Amin.
“Naima era uma batalhadora. Ela lutou para entrar na academia militar e para se formar. Ela lutou por tudo em sua vida. Essa era apenas mais uma batalha em sua longa lista de vitórias.”
Como suas opções médicas eram limitadas, Naima fez o que muitos fazem: recorreu à internet em uma busca de uma solução.
Isso a levou até Robert O. Young, autor de livros sobre Medicina alternativa que vendia uma mensagem de esperança para pacientes com câncer pela rede.
Naima começou a se corresponder por e-mail com ele, em uma história que revela o quanto a pseudociência pode ser usada para manipular quem se encontra em um estado vulnerável.
Young é autor de uma série de livros entitulada O Milagre do pH, que teve mais de 4 milhões de cópias vendidas ao redor do mundo. Seus textos explicam sua “abordagem alcalina” quanto à alimentação e à saúde, que já influenciou muitas pessoas.
Em um e-mail de Naima para Young em julho de 2012, ele diz a ela que “há uma maior necessidade de se concentrar em um regime diário focado em…espalhar alcalinidade pelo sangue.”
“Sugiro que seu tratamento seja de ao menos 8 a 12 semanas. Não será fácil, mas você estará em um ambiente supervisionado em que receberá todos os cuidados necessários.”
Naima foi em busca do dinheiro que precisaria para isso – em um e-mail, Young menciona o valor de US$ 3 mil (R$ 9,5 mil) por dia.
Sua família deu a ela suas economias, organizou eventos para arrecadar fundos e conseguiu dezenas de milhares de dólares com a ajuda de uma organização de caridade.
Mas o tratamento não teve o resultado que Naima esperava.
Em uma manhã ensolarada, nós fomos de carro até os arredores de San Diego, na Califórnia, para visitar Young em seu paraíso milionário conhecido como “Rancho do Milagre do pH”.
Enquanto Young nos recebia, nosso olhar foi atraído por um aquário vazio incrustado na parede que separa a sala da cozinha. Ele notou nosso interesse e passou a compartilhar sua visão alcalina do mundo, começando pelo que chama de metáfora do aquário vazio.
“Se um peixe está doente, o que você faz? Trata o peixe ou troca a água?”, disse ele, emendando em seguida: “Em seu estado perfeito, o corpo humano é alcalino por natureza.”
O pH do nosso sangue é de 7,4, ou seja, ligeiramente alcalino. Então, em termos gerais, Young está certo – ainda que diferentes partes de nosso corpo, como o estômago, funcionem com diferentes níveis de pH.
Mas é a partir daí que a visão de uma “vida alcalina” de Young torna-se uma fantasia completa. Ele acredita que, para manter o pH de nosso sangue, devemos ingerir alimentos “alcalinos”.
O principal problema é não levar em conta nosso estômago, que funciona com um pH de cerca de 1,5 e é a região mais ácida do corpo. Portanto, tudo que ingerimos, seja qual for seu pH, torna-se ácido antes de chegar ao intestino.
Além disso, a classificação de comidas como alcalinas e ácidas nessa dieta não parece seguir nenhuma regra consistente – certas frutas cítricas (repletas de ácido cítrico) são consideradas alcalinas, por exemplo.
No entanto, a visão de Young de que a alcalinidade é boa e a acidez é ruim vai além dos alimentos. Ele nos disse: “Toda doença pode ser prevenida controlando o delicado equilíbrio do pH dos fluidos do corpo”.
Young acredita que, quando seu sangue se torna ácido, algo estranho acontece, e as células sanguíneas se transformam em bactérias – um fenômeno que ele chama de pleomorfismo – e geram uma doença.
Essa visão vai contra todo o conhecimento científico atual. Quando dissemos isso a ele, Young simplesmente discordou. “Germes nada mais são que a transformação biológica da matéria animal ou vegetal. Eles nascem a partir disso.”
Isso é uma “pós-verdade”.
O maior problema é Young acreditar que doenças surgem a partir da acidez e, portanto, podem ser revertidas por meio da alcalinidade – ecoando sua metáfora do aquário que você não trata a doença, você muda o ambiente em que ela se desenvolve.
Quando Young disse que Naima receberia cuidados em um ambiente supervisionado, ele se referiu a seu rancho, em que uma grande área foi convertida em uma “clínica” para tratamento de câncer.
Young nos disse que usa o termo “cancerígeno” como um adjetivo para descrever um estado de acidez.
Desde 2005, ele recebeu mais de 80 pacientes terminais em seu rancho. O tratamento feito ao longo de alguns meses inclui infusões intravenosas de uma solução alcalina feita com bicarbonato de sódio. Foi isso que ele ofereceu a Naima.
Não há dúvidas do impacto do e-mail de Young sobre a oficial britânica. Em resposta à oferta, Naima respondeu: “Em alguns meses, serei declarada curada”.
“Naima estava muito confiante de que, com sua força de vontade e essa terapia, ela se curaria”, disse seu amigo Afzal.
Dissemos a Young que uma pessoa em estado terminal como Naima, desesperada por uma cura, compraria qualquer coisa que ele dissesse, faria qualquer coisa para melhorar.
“Mas eu não estava vendendo nada a ela… Não a forcei a vir aqui, foi uma decisão dela”, ele respondeu. Mas, em outro e-mail, Young insistiu para que Naima pagasse pelo tratamento antes de viajar para seu rancho.
Ao todo, Naima e sua família pagaram mais de US$ 77 mil (R$ 244 mil) a Young pelo tratamento.
“Médicos precisam ser pagos, as pessoas que fazem as massagens precisam ser pagas, assim como o material usado. Mas dei a ela o melhor preço possível” disse Young.
Não há qualquer evidência que infusões de soluções alcalinas na corrente sanguínea tenham qualquer efeito contra câncer. Diante disso, Young disse: “Isso precisa ser estudado”.
Depois de cerca de três meses no rancho de Young, Naima piorou e foi levada para um hospital. Depois, viajou de volta para o Reino Unido, onde morreu junto à sua família. Ela tinha 27 anos.
“Eles se sentiram completamente traídos. É horrível que alguém possa explorar as pessoas. Acho isso o elemento mais perturbador de tudo: que, por dinheiro, ele destrua vidas”, disse Afzal.
As atividades de Young em seu rancho não passaram despercebidas. Em 2011, o Conselho de Medicina da Califórnia começou uma investigação em segredo depois de uma mulher tratada no local manifestar suas preocupações.
Investigadores identificaram 15 pacientes com câncer que passaram por lá – nenhum deles sobreviveu.
Um deles, Genia Vanderhaeghen, morreu de insuficiência cardíaca congestiva – fluídos em torno do coração – enquanto era tratada. Young nos disse que estava “viajando” na época.
De acordo com documentos obtidos por nós, ela havia recebido 33 infusões intravenosas de bicarbonato de sódio, cada uma a um custo de US$ 550 (R$ 1,7 mil), ao longo de 31 dias. Algumas foram administradas pelo próprio Young.
No ano passado, Young foi considerado culpado de praticar medicina sem licença, e, agora, pode ficar até três anos preso. No julgamento, foi revelado que ele não é médico e que comprou seu diploma de PhD.
Perguntamos se ele sentia remorso pelo que fez. “Não, porque milhares ou até mesmo milhões de pessoas foram ajudadas pelo programa (da dieta alcalina)”, Young respondeu.