“O negócio da zika não ‘tá’ só afetando gestantes, não. Afeta crianças de até sete anos. Se a criança de até sete anos tiver a zika, ela fica com sequelas neurológicas graves. Inclusive tem muitas crianças chegando no hospital já em coma. E fica muito sequelado mesmo.”
A frase é dita por uma mulher em uma das mensagens em áudio que viralizaram no WhatsApp nos últimos dois dias em Pernambuco e chegaram a diversos Estados, provocando ansiedade em mães e gestantes em meio ao surto de microcefalia que atinge o país.
“Não posso divulgar a fonte porque a pessoa faz parte do grupo de pesquisa e está sendo proibida pelo governo de divulgar, mas é uma informação segura”, diz a mensagem.
Outro áudio, também narrado por uma mulher, diz que “se for confirmado que as crianças menores de sete anos também podem ter alterações neurológicas por causa da picada do zika, isso vai ser uma danação tão grande”.
“Vai ser uma praga do Egito porque ninguém pode evitar que as crianças sejam picadas por muriçoca [mosquito].”
Falando em nome da Secretaria de Saúde de Pernambuco, a médica Maria Angela Rocha, chefe do serviço de infectologia do Hospital Universitário Oswaldo Cruz — que tem recebido casos de microcefalia de todo o Estado e também atende crianças com infecções virais — nega o aumento de casos graves em crianças que sejam relacionados ao zika vírus.
“Não há nada disso. Estou no serviço de referência em Pernambuco e não estão chegando casos graves de zika em nenhuma faixa etária, muito menos casos de alterações neurológicas ou encefalite (inflamação no cérebro).”
As mensagens, no entanto, provocaram dúvidas sobre se o zika vírus também pode afetar, com consequências neurológicas sérias, recém-nascidos ou crianças. A médica esclarece, no entanto, que nada disso foi comprovado.
“O risco que o vírus zika tem de causar inflamações no cérebro é igual ao de qualquer vírus, mas eles geralmente causam isso em um percentual pequeno de pessoas, assim como a síndrome de Guillain-Barré.”
A síndrome de Guillain-Barré é uma doença neurológica rara que provoca fraqueza muscular e, em alguns casos, paralisia dos músculos respiratórios. Quase todos os Estados do Nordeste registraram aumento de casos da doença em 2015.
‘Terrorismo entre as mães’
“O que temos atualmente é um aumento do aparecimento de manchas vermelhas com bolhas e pequenas feridas em bebês de até dois anos de idade. Para esses casos, estamos investigando, além das causas habituais, uma possível relação com a febre chikungunya e o zika vírus, porque ele causa quadros de manchas vermelhas. Mas ele não causa bolhas, por exemplo”, afirma Rocha.
Na última semana, o hospital recebeu cerca de 20 casos como este.
A médica diz que também recebeu as mesmas mensagens de áudio em “uns cinco ou seis grupos de infectologistas no Whatsapp”, o que evidencia o papel dos próprios médicos na divulgação dos boatos.
“A linguagem desses áudios não é de pessoas da área. A rede social pode ajudar as pessoas, mas muita gente se aproveita disso numa situação que já está bastante estressante para causar mais pânico na população”, afirma.
A Secretaria de Saúde de Pernambuco também nega que informações estejam sendo escondidas da população. Por meio de seu perfil no Facebook, o órgão pediu que a população “evite espalhar boatos” .
Os áudios também chegaram a neuropediatra Vanessa van der Linden Mota, a primeira a chamar a atenção do Estado ao notar o aumento no número de ocorrências de microcefalia no início de setembro.
“Temos um paciente criança que teve uma encefalite (infecção que atinge o cérebro), que teve confirmação para zika vírus. Mas veja, qualquer vírus teoricamente em algum momento pode causar um caso grave de infecção no sistema nervoso central”, diz.
Na noite de quinta-feira, grupos de médicos passaram a fazer circular também uma mensagem escrita esclarecendo os boatos para combater o “terrorismo entre as mães”.
Nova definição
Na quinta-feira, a Secretaria de Saúde de Pernambuco anunciou uma mudança na definição sobre o que será considerado microcefalia. A partir de agora, apenas os bebês com perímetro cefálico igual ou menor que 32 cm serão tidos como microcéfalos.
Este já era o parâmetro usado pela OMS, mas Pernambuco havia decidido utilizar a medida de 33 cm como base por ter encontrado crianças com esta medida que apresentavam calcificações no cérebro — tipos de “cicatrizes” deixadas pela infecção congênita.
“Procuramos ser mais sensíveis no primeiro momento, mas percebemos que o percentual de crianças com 33 cm e alterações neurológicas era pequeno. Por isso, decidimos mudar”, explicou Maria Angela Rocha.
Dos 646 casos de microcefalia notificados, 211 são de crianças com a circunferência da cabeça igual ou menor a 32 cm. Mesmo assim, a Secretaria de Saúde afirmou que todos os pacientes continuarão sendo acompanhados pelos profissionais.
A mudança também deve ser adotada pelo governo federal.
De acordo com o novo protocolo, gestantes que apresentarem manchas vermelhas na pele, coceira e febre — sintomas associados a zika — devem procurar a Secretaria de Saúde do Estado para acompanhamento.