Índia investe no combate à mortalidade infantil com leite materno. A inspiração do projeto é o Brasil.
“Saber que o nosso país inspira outros com bons exemplos, para além da lógica futebolística é transcender o estigmatizado país do futebol. Quero dizer que somos o país do aleitamento materno”.
O primeiro banco de leite humano no norte da Índia começou a funcionar em abril
Dois meses antes da data prevista para o nascimento de seu bebê, Gauri Meena deu à luz, prematuramente, um menino. O bebê pesava 1,2 kg – menos de a metade da média de peso para bebês indianos do sexo masculino.
Meena e o marido Devilal, moradores de um vilarejo no Estado do Rajastão, região desértica no nordeste da Índia, temiam pela vida de seu filho.
Em novembro último, a conselho de um médico local, o casal embalou o bebê em um cobertor grosso e o levou, de ônibus, a um hospital administrado pelo governo indiano na cidade mais próxima, a 130 km de distância.
A equipe do Maharana Bhopal General Hospital, em Udaipur, disse ao casal que as chances de sobrevivência do bebê eram baixas.
Sem um sistema imunológico desenvolvido, a criança sofria de uma infecção bacteriana grave que pode levar à morte – a sepse, comum em prematuros.
Os médicos também disseram a Meena que era importante que seu filho recebesse leite materno, rico em hormônios e nutrientes que poderiam ajudá-lo a se fortalecer.
Excesso de Leite
Aos 22 anos de idade, desnutrida e estressada, a mãe não estava produzindo leite suficiente. Felizmente, no entanto, havia uma solução para o problema.
O primeiro banco de leite humano no norte da Índia – segundo a ONG que o administra – vem funcionando desde abril do ano passado para oferecer, gratuitamente, o que alguns profissionais de saúde descrevem como “ouro líquido”. E o Brasil é tido como um modelo na adoção de iniciativas desse tipo.
Em uma pequena e bem equipada clínica instalada dentro do hospital, o banco coleta excesso de leite produzido por mães.
As doadoras são testadas para evitar a transmissão de doenças graves, como hepatite e Aids. O leite é retirado com o uso de uma bomba, pasteurizado e congelado, e tem vida útil de quatro meses.
Desde que o banco começou a funcionar, mais de 660 mulheres concordaram em doar seu leite.
Como resultado, mais de 450 bebês que receberam tratamento na unidade de tratamento intensivo do hospital – inclusive o bebê de Meena – foram alimentados com leite materno.
“Ele está se recuperando rapidamente”, disse o marido de Meena, seis dias após o bebê receber, por meio de um tubo, sua primeira dose de leite. Um mês depois, a família voltou para casa.
Apesar de uma redução nos índices de mortalidade infantil na Índia – em 2001, houve 2,3 milhões de mortes de crianças com menos de cinco anos, em 2012, o número caiu para 1,4 milhão – o país ainda responde por 20% das mortes de crianças globalmente. E a metade dessas mortes é de bebês com menos de 28 dias, segundo um relatório publicado na revista científica Lancet, em maio.
Os médicos dizem que, na Índia, as principais causas de mortes de crianças são infecções, nascimentos com peso inferior à média – que afetam o bebê em seu primeiro mês de vida – e, mais adiante, diarreia e pneumonia.
Superalimento
Mais de 660 mulheres doaram leite ao banco desde que ele foi aberto
A Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) dizem que o leite materno é a solução mais efetiva para esses problemas, especialmente se o bebê receber o leite logo após o nascimento e, exclusivamente, durante os primeiros seis meses de vida.
O banco de leite no Rajastão é administrado por uma ONG com sede em Udaipur liderada por um mestre de yoga, Devendra Agarwal.
Criado com um investimento relativamente modesto – US$ 16 mil (R$ 35 mil) – ele é um entre cerca de 11 em operação na Índia – calcula o diretor de operações do banco de leite, doutor RK Agarwal. In
Há expectativas de que outros dois bancos comecem a funcionar em Jaipur, a maior cidade do Rajastão, até o final do ano.
Profissionais de saúde dizem, no entanto, que as autoridades precisam promover os bancos de leite com muito mais energia.
“É difícil porque eles não acreditam que (a medida) traria grandes benefícios”, disse a médica Armida Fernandez, que abriu o primeiro banco de leite materno da Índia, em Mumbai, em 1989.
Arun Gupta, coordenador de uma ONG que promove a amamentação na Índia, diz que bancos de leite só poderão ajudar a diminuir a mortalidade infantil se forem parte de uma estratégia mais ampla para promover a amamentação – como a adotada no Brasil.
Modelo brasileiro
O banco de leite funciona em uma pequena clínica em um hospital público
O Brasil tem hoje mais de 200 bancos de leite materno – mais do que qualquer outro país do mundo.
Além dos bancos, a estratégia do país também inclui inciativas inovadoras como treinar carteiros para oferecer informações sobre amamentação a mulheres grávidas e usar bombeiros para coletar leite doado por mães.
Isso contribuiu para uma redução de 73% no número de mortes de crianças de 1990 para cá. Segundo o Unicef, o índice de mortalidade entre menores de cinco anos no país é hoje 14 mortes para cada 1000 crianças. Na Índia, o índice é quatro vezes maior – 56 em cada 1000.
“O modelo do Brasil é muito bem-sucedido, não apenas porque lá existem bancos de leite em todos os grandes hospitais, mas também porque a política também inclui treinar a equipe para oferecer melhor aconselhamento”.
“Promover a amamentação requer muito trabalho. Na Índia, há uma escassez de profissionais bem treinados para educar as mulheres. Precisamos de um profissional para cada 1000 mulheres, é o que eu gostaria de ver”, diz Arun Gupta.
Para o doutor Agarwal, o sonho é maior.
“Talvez não seja possível durante a minha vida”, diz. “Mas eu quero leite materno em pó à venda nas lojas”.
“Se leite animal em pó está disponível, por que não leite humano em pó?”
Créditos : Atish Patel da BBC – Brasil